Crítica sobre o filme "Morango e Chocolate":

Eron Duarte Fagundes
Morango e Chocolate Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/09/2006
Juntamente com Humberto Solas, diretor do memorável Lucia (1968), Tomás Gutierrez Alea representa o pico do cinema cubano; em Memórias do subdesenvolvimento (1968) Alea compôs um retrato melancólico e feroz (convivências destas sensações paradoxais: a apatia melancólica e a ferocidade duma guerrilha visual) da realidade latino-americana, em A morte de um burocrata (1966) o realizador mergulhou num sombrio cuja herança do Luis Buñuel da fase mexicana se evidenciava sobremaneira. Os filmes derradeiros de Alea são mais digestivos e narrativos, a despeito de não esconderem inteiramente as origens cerebralmente políticas de seu cinema: Guantanamera (1995) foi o testamento fílmico de Alea e, apesar de suas tristezas e sinuosidades formais, tinha uma alegria de filmar que fugia ao Cinema Novo que praticava nos anos 60. Seu penúltimo filme, Morango e chocolate (Fresa y chocolate; 1993), agora lançado em dvd, tem, como Guantanamera, a co-direção de Juan Carlos Tabío; é um dos filmes mais brilhantes de Alea e onde certas coisas que incomodavam em obras de fato importantes como Memórias do subdesenvolvimento (um certo artificialismo de idéias embutidas a marreta num universo de ficção, algo comum no cinema da época do Terceiro Mundo, a vanguarda dos Cinemas Novos, como se sabe por um diretor brasileiro, Glauber Rocha) são melhor resolvidas pela sensibilidade humana existente em Morango e chocolate.

Em seu filme Alea fala amiúde das questões de revolução cubana e suas contradições. Herdeiro castrista, Alea soube ver na velhice os problemas do apodrecimento do regime e a desumanização que os excessos políticos trazem aos indivíduos. No centro da trama, um jovem, ingênuo, amante da revolução, topa com um persistente homossexual, visto com maus olhos pelos revolucionários machistas: desde seu estranho encontro numa mesa de bar ao ar livre, a insistência da bicha, a rejeição dura do outro rapaz, até o fim de revelações passando pelas descobertas do dia a dia, este relacionamento de amizade entre dois seres opostos sedimenta no espectador uma nova consciência de vida. Jorge Perrugoría na pele do homossexual é um show à parte de interpretação.

Morango e chocolate exala cultura (as referências literárias dos diálogos são muitas) e paixão pelo cinema. (Eron Fagundes)