Desde 1992, quando se tornou estrela mundial graças a Instinto Selvagem, de Paul Verhoeven, que Sharon Stone batalhava por uma continuação, consciente de que era seu melhor personagem. Mas só agora conseguiram um roteiro que a satisfizesse (o fato da produtora original ter falido também não ajudou). Infelizmente o filme foi massacrado pela crítica americana e rendeu perto de U$ 6 milhões, para um orçamento estimado em 70!
Ouvi os comentários mais contraditórios: os que reclamam que Sharon está magra demais (ela tem aquele tipo de corpo de americana sem traseiro, seios siliconados e, para não parecer velha, ficou o mais magra possível. Seu rosto é um festival de todas as técnicas mais recentes de rejuvenescimento, de Botox a preenchimentos, de tal forma que parece conversada; muito maquiada, artificial - até mais que Nicole Kidman, que tem dez anos menos que ela. Ou seja, conservada para 48 anos).
Há os que reclamam da ausência daquela cena da cruzada as pernas, do filme anterior (que já virou paródia, mas não tentaram nem fazer algo diferenciado e semelhante). Sinal dos tempos, o filme passou nos EUA muito cortado para não levar a marca de NC-17 - proibido para menores - e certamente irá melhor na Europa, e depois em DVD sem cortes (não sei dizer, mas aparentemente estamos vendo a cópia mais integral. Mesmo assim não tem grandes momentos de ousadia erótica. Mesmo a cena da quase asfixia, no orgasmo, é tratada rapidamente).
A escritora Catherine Tramell vive agora na Inglaterra - e ela menciona que teve um casamento com um policial de San Francisco, o Michael Douglas do filme anterior. No prólogo gratuito, ela está correndo de carro pelas ruas de Londres enquanto o companheiro, um jogador de futebol famoso, a está masturbando. Os dois perdem a direção e o carro mergulha nas águas do Tâmisa. Ele, que está drogado, morre, e ela consegue escapar, mas é processada. É quando o psiquiatra Michael Glass, chamado para avaliar sua sanidade (é o inexpressivo David Morissey, que tenta, em vão, ser um novo Liam Neeson; não me marcou em Capitão Corelli, nem no recente Fora de Rumo [”Derailed” - 2005]).
Enfim, dentro da tradição do gênero noir, ele tem cara de trouxa, e cairá nas garras de uma mulher fatal. É bom lembrar que o “Instinto” original criou um novo gênero de suspense erótico, que depois foi imitado até a exaustão, principalmente em filmes menores, distribuídos em home-video. Então ficava mesmo difícil inventar algo novo. No caso, resta esperar a trama maligna de Catherine que, como sempre, pode ser ou não uma assassina (o filme joga várias vezes com isso, inclusive com dois finais). Segue-se então uma série de mortes, complicadas porque o médico tem uma ex-mulher, que agora tem um caso com um conhecido jornalista, que aparentemente quer destruir o médico (porque, no passado, ele teria errado na avaliação de um caso, um cliente de quem ele não quis dar informações, e que acabou sendo um assassino). Enfim, é uma trama tortuosa com alguns desvios eróticos, nem sempre convincentes. Catherine parece estar em toda parte, fazendo poses, ainda que na hora de dizer textos, ela saiba perfeitamente o que fazer - ou não fazer - já que não mexe nada, diz tudo friamente, com cinismo e tranqüilidade. O que é a chave do personagem, e ainda funciona.
Na verdade, parece que estou me desculpando por não ter achado o filme assim tão ruim. Talvez porque tenha um fraco pelo gênero, por Sharon (a loira mais linda que conheci pessoalmente) e por realizações sofisticadas (ah, o diretor é impessoal e nem tenta deixar sua marca). (Por Rubens Ewald Fiho na coluna Clássicos de 28 de abril de 2006)