Crítica sobre o filme "Dupla Vida de Véronique, A":

Eron Duarte Fagundes
Dupla Vida de Véronique, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 28/11/2006

É um reencontro com a mais pura expressão clássica da beleza. É um filme que devolve ao cinema, bombardeado pela futilidade de suas imagens habituais, a dignidade e um padrão com as outras artes. Um dos filmes básicos da década de 90, certamente.

O cineasta polonês Krysztof Kieslowski excede seus limites, que já não são poucos. Diante de A dupla vida de Veronique (1991), concluímos pela profundidade do cinema. Kieslowski faz um filme de paradoxos. É ao mesmo tempo maduro e incauto em sua visão da duplicidade humana; como toda arte clássica, o rigor sintático (imagens de grande pureza e perfeição, sublinhadas por uma faixa musical deslumbrante) contrasta com uma certa ingenuidade de posição no mundo. É simples em sua formulação narrativa, porém não desdenha o rebuscamento de algumas deformações de ângulos e algum recanto de estranheza no jogo psicológico que se estabelece entre as duas mulheres tão distantes (espaço físico) e ao mesmo tempo tão próximas em suas semelhanças.

Longe da filosofia do sombrio de seus outros filmes conhecidos nestas plagas, Kieslowski presta um tributo à alegria de filmar e de viver. Ainda que coloque no centro (e no final) de seu drama a angústia existencial da personagem —nascida da espinhosa questão do duplo e materializada num primeiro plano de sua face em choros beijada ardentemente pelo amante, num intenso plano-seqüência—, Kieslowski nunca é opressivo. Sem a violência de Não matarás (1988), este A dupla vida de Veronique pode comparar-se a um canto lírico. A musicalidade sem a grandiloqüência. O amor solidário sem o exibicionismo. Um achado para quem quiser fazer par com uma experiência cinematográfica nova e desorientadora.

(O texto acima foi escrito por mim em 09.11.92 e é parte de um imenso arquivo pessoal de anotações sobre filmes). (Eron Fagundes)