Crítica sobre o filme "Eu Te Amo":

Eron Duarte Fagundes
Eu Te Amo Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/12/2006
No Festival de Cinema Brasileiro de Gramado de 1981 a maioria dos cinéfilos esperava que Eu te amo (1980), um voluptuoso filme de Arnaldo Jabor, fosse o filme vencedor; deu zebra, pois o júri oficial preferiu as inquietações de linguagem de Cabaré mineiro (1979), do mineiro Carlos Alberto Prates Correia. O conformismo cinematográfico a que se entregava Jabor não foi reconhecido na premiação de Gramado, mas seu filme correu mundo e lhe deu um retorno financeiro maior do que o cineasta vinha tendo com seus “panoramas brasileiros†anteriores.

Tudo bem (1977), uma das mais agudas realizações do cinema brasileiro, foi esnobado pela platéia e mergulhou o diretor num impasse artístico, como ele próprio sempre confessa; Tudo bem, até em seu relançamento nos cinemas, vem topando dificuldades em se comunicar com o público habitual, sempre alienado e mais chegado às fantasias escapistas e fáceis. Pode ser que seja até inconsciente, mas, ao escrever o roteiro de Eu te amo, com a participação do roteirista Leopoldo Serran, Jabor deixou assomar sua frustração com o fracasso de bilheteria de Tudo bem e foi escorregando para um tipo de cinema (depois materializado na película) que dissesse mais à platéia comercial.

Eu te amo está longe da naturalidade de encenação de Tudo bem. O que há de fantasia em Tudo bem se converte em metáfora crítica. A fantasia que explode das imagens volumosas de Eu te amo é uma fuga que só não é mais hollywoodiana por que Jabor, como fica claro no plano de abertura em que a personagem de Paulo César Pereio se dirige para o espectador divulgando um excremento do Congresso Nacional, é sempre uma cabeça que pensa brilhantemente o Brasil. Mas referências críticas e sociais de Eu te amo se dissolvem neste nebulosa de sofisticação pasteurizada de cores e cenários que vai ter, no final do filme, a uma paródia de comercial de sabonete e depois a uma caricatura dos musicais americanos da Metro.

A conversação excessiva e gritada de Eu te amo revela a sombra dos trejeitos do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues sobre o cinema de Jabor. É uma psicanálise fílmica que muitas vezes cansa, a despeito da garra dos intérpretes, um careteiro Pereio e uma Sônia Braga no auge de sua força sexual, estampada em A dama do lotação (1975), de Neville d’Almeida, além das presenças ajustadas dos co-adjuvantes Vera Fischer e Tarcísio Meira. Eu te amo se dispersa em várias direções, como já acontecera em Tudo bem; mas se Tudo bem faz os encaixes necessários, Eu te amo distende a unidade cinematográfica, afrouxando o senso rítmico e aborrecendo seguidamente a atenção do observador.

Um crítico gaúcho da época acusava em Eu te amo um plágio de La madriguera (1969), do espanhol Carlos Saura. Na verdade, Eu te amo lembra muito o desespero de O último tango em Paris (1972), do italiano Bernardo Bertolucci; é como se Bertolucci se tivesse transformado num diretor de Hollywood, pasteurizando suas formas, adocicando-as para o paladar do público. Há muita coisa trivial e que poderia gerar uma falsa impressão de espontaneidade no filme de Jabor; mas curiosamente o resultado é artificial, como se o diretor rebuscasse seus processos, há metalinguagem demais e fora de tom, a utilização do vídeo por Jabor é um procedimento formalista vazio. Talvez eu esteja só nesta assertiva, mas Eu te amo não faz jus à capacidade de Jabor como artista de cinema. (Eron Fagundes)