Crtica sobre o filme "Toda Nudez Será Castigada":

Edinho Pasquale
Toda Nudez Será Castigada Por Edinho Pasquale
| Data: 14/12/2006
O tom abolerado, caricaturalmente melodramático de Toda nudez será castigada (1973), um dos melhores filmes do brasileiro Arnaldo Jabor e talvez a mais inspirada adaptação duma peça de Nelson Rodrigues para a tela, acha seu feliz ritmo cinematográfico na direção meio escrachada, meio crítica do cineasta e nas ricas e vigorosas interpretações de Paulo Porto e Darlene Glória, “nos papéis de suas vidas” segundo a observação do crítico gaúcho Tuio Becker. A primeira vez que vi este clássico de Jabor foi em 1973, adolescente recém-chegado a Porto Alegre, no cinema São João, antes que as garras da ditadura militar desabassem sobre esta narrativa hoje um tanto quanto colegial em suas aventuras sexuais; revi-o dez anos depois em minha efervescência de curiosidade cinematográfica (o ano básico de 1983). Agora, vendo-o na televisão ou em dvd, consolida-se a permanência da expressividade das imagens que Jabor criou para este filme.

Depois de Eu sei que vou te amar (1986), já lá vão vinte anos, Jabor deixou de fazer filmes. Voltará algum dia a fazê-los, deixando de lado suas diatribes jornalísticas? As características teatrais do cinema de Jabor estão tanto em suas versões de obras de Nelson Rodrigues (além do filme em questão, houve O casamento) quanto nas quatro paredes de Tudo bem (1977), sua obra-prima, Eu te amo (1980) e a película citada na abertura deste parágrafo. Mas o surpreendente é que Jabor adapta os elementos teatrais a uma linguagem eminentemente cinematográfica em seus resultados: apaixona e nunca aborrece quando acerta o tom, como neste Toda nudez.

Há também um pouco do clima das pornochanchadas que Jabor filtra criticamente. Os jeitos interpretativos de Paulo e Darlene se inspiram no artificialismo amadorístico dos intérpretes da pornografia brasileira. Os pudores de filmar, ditados pela censura da época (as personagens vão para a cama vestidas nos genitais), são outra herança das fitas pornográficas, que tiveram na Boca do Lixo paulistana seu foco reprodutor. Ocorre que Jabor e seus atores subvertem tudo isto, gerando um filme sarcástico e perverso, brasileiríssimo, um bolero (musical) à brasileira.

O suicídio final de Geni, com suas vestes cheias de sangue e sua voz dirigida para o gravador e para seu marido Herculano, é a visão da decadência-familiar, algo ali entre Roman Polansky (dos bons tempos) e Luis Buñuel, dois mestres da perversidade no cinema. O universo familiar ainda inclui um filho homossexual currado na prisão (e que transa com Geni, a mulher do pai) e três tias beatas e hidrófobas para dar um recado contundente de crítica à sociedade brasileira.