Confesso que demorei para assisti-lo, porque tentei fugir dele. Não tinha a menor vontade de ver outro drama sobre o 11 de setembro, em particular estrelado por Nicolas Cage (por quem não tenho a menor simpatia), embora tenha achado extraordinário o documentário chamado 11 de Setembro que saiu em DVD, feito pelos franceses, e que mostrava algo parecido, uma equipe que ficava soterrada (só que tudo real e apavorante). Também não me animava a direção de Oliver Stone que, depois de Alexandre, tentava se redimir de qualquer forma.
Mas não esperava que fosse tanto. Este filme, embora inspirado em um caso real, é relativamente periférico com relação às Torres (que mal são vistas), centrando-se na história de dois policiais (na verdade, integrantes da chamada Port Autorithy, que controla os terminais de chegada e partida), em particular dois deles que ficaram presos sob os destroços, e foram localizados com a ajuda de Jesus Cristo (que aparece em uma visão, carregando uma garrafa de água!), e de um Fuzileiro Naval (marine) fanático, que larga tudo, dizendo ter sido chamado por Jesus, e sai como um louco procurando sobreviventes, se infiltrando na confusão, e dessa forma encontrando os dois vitimados. É um pouco de demagogia demais, uma virada de casaca exagerada, para um sujeito que sempre criticou o sistema americano, defendeu teorias de conspiração e, de repente, cai numa história muito mal contada, e não especialmente inspiradora.
Basicamente, os dois sujeitos (Cage e Pena) estão no lugar e hora errados, perdidos, sem saber o que fazer, sem conseguir lidar com a situação, quando as torres desabam e seus companheiros são mortos. Escapam dois, bem feridos, que agonizam esperando a morte, até serem socorridos por Cristo e o fuzileiro, seguidos pelos bombeiros, que vêm acudi-los. Esse sofrimento é entrecortado por alguns flashbacks (mas unicamente Cage, como astro, tem direito a eles; o outro - será porque é latino? - não tem chance de reviver os momentos chaves de seu casamento, como sucede com o sargento e sua mulher, que é feita por Maria Bello - com intoleráveis lentes azuis, que tornam seu olhar extremamente falso), e também mostrando a reação das esposas e parentes (a veterana Julia Adams faz a avó de Maggie Gyllenhall; a estrela da Broadway, Donna Murphy, faz uma amiga de Maria Bello).
Nem bem narrada é essa história que, na verdade, só impressiona pela recriação - parece que em estúdio - dos escombros, realmente aterradores. Fora isso, é uma homenagem bonita e fotogênica a Nova York, sem qualquer tentativa de explicar a tragédia (a única crítica séria do filme, e que não fica marcada, é contra os que não desejam prosseguir as buscas, com medo que outros prédios desabem. Leva-se até a sério a vingança do fuzileiro, que prossegue sua luta conta os terroristas, lutando atualmente no Iraque!).
Como cinema é apenas mediano, o filme do Vôo United 93 é infinitamente melhor. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 23 de outubrio de 2006)
. .Oliver Stone, cineasta norte-americano, tem o dom do cinema. Isto faz com que seu filme As torres gêmeas (World Trade Center; 2004) seja cinematograficamente mais eficiente que o super-estimado Vôo 93 (2006), dirigido pelo britânico Paul Grengrass. Mesmo que o espectador se esforce por resistir à comparação (são dois filmes que apresentam enfoques diferentes e descrevem personagens tão distanciadas quanto um passageiro distraído de avião e um bombeiro zeloso de sua função e muito sisudo), é inevitável associar as duas realizações: apesar de múltiplo, o evento de 11 de setembro de 2001 aparece muitas vezes ao observador como um bloco inteiriço, uma seqüência de ações disparatadas que têm uma lógica interna que une todos os episódios que se despencam do fato central como galhos se destacando de uma árvore.
As torres gêmeas não deixa de ter as superficialidades próprias da indústria, como acontece com Vôo 93. A diferença está na direção de Stone, que ameniza os defeitos do filme com seu senso de filmar, que se não o enquadra entre os grandes diretores da atualidade, ao menos o faz um cineasta digno de nota. Ele começa sua narrativa com brilho: monta um apanhado semidocumental do cotidiano dos nova-iorquinos naquela manhã que acabou sendo a mais longa manhã da história da cidade; os flashes tranqüilos das pessoas que apanham a condução, se deslocam pelas ruas, dirigem no trânsito se convertem em planos tensos porque todos sabemos o que viria a seguir; no entanto, a despeito do conhecimento prévio dos fatos, Stone tem, como se disse antes, o dom do cinema para nos impressionar com o inferno nas torres vivido por dois bombeiros soterrados enquanto esperam pelo improvável resgate.
Desde Platoon (1986), sabe-se que Stone se especializou em filmar o inferno humano, homens encurralados pela violência e pelo fogo circunstante sem ter como sair. O inferno da guerra do Vietnã não difere muito do inferno da destruição das torres gêmeas vivido por muita gente que agonizou e morreu ou sobreviveu como os protagonistas do filme: o estado de guerra é semelhante, embora o inimigo, depois de lançar as bombas, esteja gargalhando no outro mundo... Num (o Vietnã) e noutro (o terror de 11 de setembro de 2001) Stone prefere calar a responsabilidade americana, para nos atingir com a potência de seus planos cinematográficos.
Nicolas Cage e Michael Pena são os atores certos para o petardo de drama que Stone encena; e logram dar interesse até ao patético diálogo de evocações familiares que ambas as personagens, sujas e feridas, expõem nas escuras e mortíferas catacumbas dos escombros das torres gêmeas. (Eron Fagundes)