Crítica sobre o filme "Apocalypto - Locação":

Rubens Ewald Filho
Apocalypto - Locação Por Rubens Ewald Filho
| Data: 22/06/2007

A esta altura já sabemos que Mel Gibson é alcoólatra, preconceituoso (não gosta mesmo de judeus a quem culpa por todos os males do mundo), fundamentalista. O fato de ser também um pouco desequilibrado não o desculpa muito. Mas apesar de tudo, ele prossegue sua carreira como realizador, já que tem certa mão para o negócio (e esta ficando velho demais para ser galã). E para ver como Hollywood consegue ser compreensiva, seu novo filme Apocalypto chegou a ser indicado para Oscar de maquiagem, edição de som e mixagem.

Embora tenha estourado na primeira semana, logo depois a fita caiu de público e resultou num semi fracasso (50 milhões de renda para 40 de orçamento já que não tem atores famosos). Só que vista com o olhar distante, resulta apenas numa mera aventura de ação, banal e indiferente a não ser pelo seu excesso de violência e cenas gráficas (que mais do que nunca no mundo atual parecem repugnantes). E é a razão porque muita gente esta desprezando o filme. Eu tenho problemas com o fato de que grande parte da fita foi rodada pelo sistema digital, outra parte em película, o que dá uma diferença clara de textura e iluminação. Que para mim não combinam.

Mesmo historicamente ele é banal. Pretenderia contar a historia de como os maias eram sanguinários. Só que os verdadeiros heróis são outros, uma tribo que vive na selva de forma pacifica com o herói Pata de Jaguar (Rudy Youngblood, um novato desconhecido alias como todo o resto do elenco) até quando são capturados pelos maias que são descritos como violentos, construtores de templos onde realizam sacrifícios humanos e vivem para matar em nome da religião. Depois de dizimarem a tribo, os sobreviventes são levados para a cidade maia onde o herói miraculosamente consegue escapar com vida correndo novamente para o mato.

Não há duvida que o filme tem bastante ação, correrias, algumas cenas fortes outras absurdas (não se sabe que Jaguar ataque como na fita). Mas o resultado é de gosto duvidoso e por causa do prazer com que retrata a violência, sem chegar realmente a condenada-la, desprezível. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 17 de fevereiro de 2007)

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A ultraviolência caracteriza a persona cinematográfica do norte-americano Mel Gibson, cujo estrelato na tela começou ao viver o tenso herói de Mad Max (1979), dirigido pelo australiano George Miller. Esta ultraviolência de Gibson permitiu que ele dirigisse uma torta releitura do Novo Testamento em A paixão de Cristo (2004): a mão pesada do cineasta e sua constante insistência em formatar a trajetória de Jesus num filme de horror e sangue estereotipavam sua visão religiosa. Enfim, com Apocalypto (2006), apesar de suas incrongruências históricas e a superficialidade de sua visão dos povos primitivos abordados, Gibson surpreende: faz um espetáculo verdadeiramente provocativo e divertido em todos os seus exageros de brutalidade.

A ultraviolência concebida por Gibson não é aquela violência inaudita criada no cinema pelo norte-americano Stanley Kubrick em Laranja mecânica (1971) a partir do universo do ficcionista inglês Anthony Burgess: falta a Gibson o agudo senso crítico de Kubrick. Nem é a violência plástica erigida pelo norte-americano Sam Peckinpah: a beleza impactante da floresta e de suas crueldades em Apocalypto é bastante direta e está longe das sutilezas estéticas de Peckinpah. Ou seja: Gibson não é um autor, mas preenche com brilho a necessidade do entretenimento cinematográfico.

Ambientando sua história na controvertida civilização maia dos tempos ancestrais da América, Gibson cria seu herói que incrivelmente nunca morre, o nativo Pata de Jaguar, para exibir com requintes sadomasoquistas insuperáveis toda a selvageria do homem ao longo da história. Esta selvageria do tema se insinua na forma de filmar, criando uma ferocidade fílmica. É bom salientar, todavia, que selvageria mais se aproxima dos aspectos mundanos do lado selvagem de Canibal Holocausto (1980), do italiano Ruggero Deodato, do que daquela feitura estética autenticamente selvagem de obras formal e tematicamente mais empenhadas, como Aguirre, a cólera dos deuses (1972), do alemão Werner Herzog, e O novo mundo (2005), do norte-americano Terrence Malick.

Assim, pondo Gibson em seu devido lugar, pode-se melhor apreciar aquilo que de relevante possa ter seu filme, que deve ferir as almas sensíveis mas pode surpreender os que acompanham a rotina do cinema de espetáculo. (Eron Fagundes)