Crítica sobre o filme "Verão Violento":

Eron Duarte Fagundes
Verão Violento Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 05/07/2007
Se o romancista francês Stendhal nascesse no século XX e fosse cineasta, creio que ele encarnaria nas mãos do realizador italiano Valério Zurlini. Toda a elegância estética stendhaliana está depositada em todas as imagens de Verão violento (Estate violenta; 1959), uma narrativa de fôlego clássico onde Zurlini exibe sua perícia para filmar os sentimentos mais sutis e ocultos de suas personagens; o rigor de composição dos gestos dos atores, a sinuosa conduta da câmara e a adequada justaposição dos cenários se vão convertendo, lenta e minuciosamente, numa linha de ação estética que acaba por deslumbrar o espectador. Mais do que no também italiano Luchino Visconti, é em Zurlini e em suas desorientadas histórias de amor que o espírito stendhaliano, novecentista e cheio de pudor, vai baixar. Pode-se dizer que Zurlini mistura Stendhal com o cineasta Michelangelo Antonioni; de Stendhal, uma nobreza ancestral; de Antonioni, uma opção pela alma das personagens, desbravada sutilmente.

Em Verão violento Zurlini vasculha, como faria depois em A moça com a valise (1960), um assunto stendhaliano: a incauta e arrebatadora aproximação que um jovem faz a uma mulher mais madura; isto remete ao romance O vermelho e o negro (1830), é claro, mas tudo é conduzido com aquele sabor cinematográfico inconfundível do cinema intelectual europeu das décadas de 50 e 60. Jean-Louis Trintgnant é o jovem militar que, vivendo meio deslocado com sua tristeza introspectiva entre os jovens alienados de sua geração, um belo dia é surpreendido por uma paixão nascida de sua visão de uma bela e misteriosa balzaqueana; Eleonora Rossi Drago, tão elegantemente bonita quanto secreta em suas subversões morais ao dar bola a um rapaz, e que foi vista na obra-prima As amigas (1955), de Antonioni, como uma das tensas mulheres burguesas antonionianas, é esta balzaqueana com quem Trintignant perfaz mais um dos grandes duetos interpretativos da história do cinema. A justaposição sentimental de Carlo e Roberta, os protagonistas da história de amor, é feita com lentidão e tato, um processo a que o espectador dos melodramas de hoje não está acostumado; sem pressa, Zurlini vai estabelecendo o passo a passo da relação dos dois. O ponto culminante desta sutileza de filmar os sentimentos está na longa e densa seqüência de dança, uma festa de jovens onde a madurona Roberta é inserida pelo desejo de Carlo; é ali, especialmente na aproximação recriminatória de Rosana, uma jovem interessada em Carlo, que o conflito moral e etário das personagens se personifica com uma carga dramática aguda.

Contando uma história de amor para além de qualquer meio social ou tempo histórico, Zurlini é inevitavelmente político e histórico em Verão violento. A cena final do bombardeio contra o trem, com as personagens centrais se desencontrando para se encontrarem no desencontro final ao fim das explosões, restaura a dimensão da época, a Europa de 1943, a guerra mundial e suas torpezas em andamento. Mas a guerra histórica é, também nas vidas de Carlo e Roberta, uma metáfora: a metáfora da impossibilidade amorosa num mundo assim. (Eron Fagundes)