Qaundo A Conquista da Honra fracassou a Warner apressou o lançamento desta Cartas de Iwo Jima que estava prevista apenas para o começo de 2007, na esperança de que o filme conseguisse prêmios da Academia e do Globo de Ouro (onde foi votado como melhor filme de lingua estrangeira). Estavam certos. Não fez sucesso de bilheteria por razoes óbvias: é totalmente falado em japonês (ou seja legendado coisa que americano odeia), em cores dessaturadas (ou seja, nem parece colorido), fala de personagens e assuntos antigos (da Segunda Guerra Mundial) e de que eles não se interessam em saber.
Felizmente os críticos são mais abertos e ele foi indicado como melhor filme, diretor, roteiro e edição de som. Não é provável que ganhe nenhum dos importantes até porque Clint já foi premiado demais. Mas não há duvida de que se tornou mesmo um grande cineasta, um excepcional realizador, capaz de tirar o máximo do mínimo (o chamam ate de minimalista). E desta vez não errou na escolha do elenco.
Acho que o sucesso de estima do filme é porque já fazem muitos anos que foram realizados as fitas sobre o Império japonês. Embora relativamente recente, há apenas 60 anos ainda fosse adorado o imperador japonês como Deus, a que se devia obediência cega, e morrer ou se matar pelo país era considerado uma honra. É esse lado dark da civilização japonesa que muita gente vai descobrir pela primeira vez neste filme que tem o mérito quase único de contar os dois lados de um mesmo fato, a luta pela posse da ilha vulcânica de Iwo Jima. (Lembro de Tora!Tora!Tora! que contou o ataque a Pearl Harbor pelos dois lados).
Só que não é como pode parecer filmes gêmeos (ou seja, não se repetem atores ou personagens e mesmo durante as filmagens nem Spielberg que o produziu nem Clint revelaram sua existência). Seriam dois lados da mesma moeda só que este é ainda mais austero, mais preocupado com o efeito da guerra nas pessoas do que em classificar em bons e maus, heróis ou perdedores. Usando como ponto de partida um livro de cartas do próprio General Kuribayashi (feito aqui por Ken Watanabe de O Ultimo Samurai). Assim ficamos sabendo como os soldados japoneses eram enviados a Iwo Jima já sabendo que provavelmente iriam morrer: um padeiro que deseja apenas conhecer a filha recém nascida, um campeão de equitação, um jovem policial idealista, o tenente Ito. Com poucos homens, pouco armamento, eles lutam ate a morte durante 40 dias no que parecia ser uma vitória fácil dos americanos. Sete mil americanos morreram nas areias vulcânicas da ilha. Mas são vinte mil japoneses!
Tudo isso é contado em 141 minutos de forma digna e sensível, mas nunca espetacular. Ou nem mesmo propagandistica. Pode-se porém tirar algumas conclusões sobre outras guerras mais próximas e recentes. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 17 de março de 2007)
.Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima; 2006) é o contraponto japonês buscado pelo cineasta americano Clint Eatswood para A conquista da honra (2006): ambos os filmes retratam os violentos e desiguais combates entre japoneses e americanos na Costa do Pacífico no final da II Guerra Mundial; enquanto o segundo filme referido põe a câmara no universo de soldados ianques, o primeiro título aludido situa a narrativa no meio dos amarelos orientais. Cartas saiu de A conquista; enquanto pesquisava para este filme, Eastwood descobriu as cartas dum general japonês para sua família; são estas cartas que costuram a vagarosa e por vezes arrastada narrativa de Cartas.
A despeito de Eastwood, ao pasteurizar a lentidão nipônica de filmar (como se fosse um sub-Akira Kurosawa) deixar que Cartas se distenda excessivamente, sua visão japonesa do conflito é mais bem elaborada que sua visão americana. Ambos os filmes se estribam em conceitos fílmicos clássicos, adotam a sensibilidade característica de narrador de Eastwood; o que torna Cartas cinematograficamente mais enfático e apurado é um certo lirismo, talvez achado meio por acaso, como em As pontes de Madison (1995), mas que funciona com uma presteza que falta aos clichês desenvolvidos (com competência, é verdade) em A conquista.
Não é nenhum grande filme, que, até agora, Eastwood me parece incapaz de fazer; seu humanismo está bastante aquém do italiano Roberto Rossellini em seus filmes que tratavam da miséria humana na guerra, e sua virulência está longe da clarividência formal do americano Stanley Kubrick. Mesmo assim, recomenda-se Cartas de Iwo Jima como uma curiosidade do esforço de uma alma tipicamente americana (Eastwood) para se pôr na pele de um ser muito diferente, um japonês. (Eron Fagundes)