Crítica sobre o filme "Beijos Proibidos":

Eron Duarte Fagundes
Beijos Proibidos Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 20/07/2007
Nas imagens iniciais de Beijos proibidos (Baisers vales; 1968), realizada pelo francês François Truffaut, logo depois que terminam os créditos de abertura embalados por uma canção tipicamente francesa ou até parisiense, uma panorâmica para a esquerda vai mostrar o casario da cidade, seguindo-se a esta panorâmica um movimento de grua que desce até um plano geral dum dos prédios deste casario, um rápido movimento de zoom transforma este plano geral num primeiro plano duma grade de janela. Tudo o que até aqui vai descrito é um plano-seqüência. Dá-se então um corte para o primeiro plano da capa do romance O lírio do vale (1835), do francês Honoré de Balzac, o livro é segurado por um soldado que lê, não lhe vemos o rosto pois o livro está entre a câmara e a personagem; uma voz-off chama por Antoine Doinel. Há um corte para o plano de Doinel respondendo, o volume do livro na mão. Estas cenas iniciais na caserna determinam o fim da breve vida militar da personagem, que, expulsa do exército, deverá ir para as ruas e dar-se a seu árduo aprendizado sentimental.

Balzaquiano convicto, Truffaut presta muitas homenagens ao romancista em seus filmes; basta lembrar as velas que acendem os garotos à fotografia de Balzac em Os incompreendidos (1959). Mais adiante, quando Doinel está seduzido pela figura duma burguesa casada (Delphine Seyrig está magnificamente elegante e secretamente sensual nas mãos diretivamente amorosas de Truffaut), ele escreve uma carta sentimental à madame onde cita o romance de Balzac que estava lendo na caserna, e ela própria, ao ir a seu encontro para consumar a paixão adúltera, diz que também achou bonito o texto de Balzac. Porém, longe da contenção moral e da resistência ao adultério que há na trama balzaquiana, a sutil sexualidade explode em gestos não mostrados e bastante sugeridos em Beijos proibidos. Se O lírio do vale foi um romance-resposta ao romance Volúpia (1834), do crítico Sainte-Beuve, o filme Beijos proibidos é um contraponto-moderno a O lírio do vale.

Truffaut, como seu companheiro de nouvelle vague Claude Chabrol, girou sempre em torno de duas influências centrais: a cinematográfica, do inglês Alfred Hitchcock, e a literária, de Balzac. Mas se Chabrol foi a Balzac buscar os elementos sociais, Truffaut extraiu do romancista o gosto pelo exercício dos sentimentos. É o que Beijos proibidos faz: uma educação sentimental. Em pleno ano da revolução social e política que marcou o século XX (1968), Truffaut se debruçava sobre a revolução do beijo. Correndo o risco de (lugar-comum de então) ser chamado de alienado. Como outro daquela turma de jovens críticos que viraram realizadores, o também francês Eric Rohmer, Truffaut amava estabelecer divagações imagens-palavras, mas no lugar do cerebralismo distanciado de Rohmer o sentimentalismo controlado de Truffaut, a diferença entre um tabuleiro de xadrez e um jogo de campo onde jogadores suam e ruidam.

Beijos proibidos está bastante longe de se situar entre os grandes filmes de Truffaut. Às vezes parece uma coleção de episódios, falta-lhe uma densidade estética, como em Os incompreendidos, ou uma intensidade dramática, como em A história de Adèle H. (1975). Mas nunca deixa de ter o encanto característico de filmar do cineasta. Parece aqui e ali um curta-metragem que se estendeu demais, mas é muito bonito em suas filmagens individuais, os blocos em si nos conquistam. Com Truffaut, de qualquer maneira, a bola nunca está perdida: sempre se pode esperar o gol de última hora. Ou no último metrô, como diz o título do último filme que ele rodou, antes de sua morte prematura, em 1984.(Eron Fagundes)