Crítica sobre o filme "Entre Deus e o Pecado":

Eron Duarte Fagundes
Entre Deus e o Pecado Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 13/09/2007
Richard Brooks é um cineasta raro no seio da indústria do cinema americano. Ele pode não ter o prestígio de Vincente Minnelli, Elia Kazan ou Nicholas Ray, mas em muitos momentos o rigor formal e a ausência de concessões de Brooks permitem que ele vá mais longe, estilisticamente, do que estes luminares. Além de rigoroso em seu senso de filmar, Brooks é um autor moral, preocupado com aquilo que ele chama a evolução da sociedade para uma selva onde não há mais justiça.

Entre Deus e o pecado (Elmer Gantry; 1960) é uma de suas realizações capitais. Seu rigor analítico e narrativo está inteiro neste filme, assim como sua visão moral da sociedade americana. A religião está no centro da trama; embora ele não seja nenhum Robert Bresson, suas inquietações filosóficas com Deus não deixam de ser bastante agudas e complexas. Elmer Gantry, o picareta convertido em pastor vivido com brilho por Burt Lancaster, assume uma trajetória de consciência ao longo de quase duas horas e meia de filme; Jean Simmons, esposa do realizador, compõe magnificamente a hipnótica religiosa que se apaixona pelo carisma de Gantry. Entre Deus e o pecado é uma análise tão desesperada quanto impiedosa da proliferação de seitas místicas na sociedade americana; sermões e cantos espalham-se pelas imagens de Brooks, turbilhonando nas emoções bíblicas; aqui, como no que se refere à violência em A sangue-frio (1967) e na degradação dos costumes femininos no polêmico À procura de Mr. Gooodbar (1977), Brooks é outra vez profético na antecipação e antevisão dos modismos sociais dos Estados Unidos. É um dos melhores estudos da manifestação religiosa ianque. O romancista norte-americano John Updike deve ter pensado um pouco neste filme de Brooks ao escrever sua obra-prima Na beleza dos lírios (1996), onde as convulsões de agrupamentos religiosos se misturam com os primórdios do cinema num velho set de filmagem. O final turbulento de Entre Deus e o pecado (o templo em que a pregadora acabou de operar um milagre pega fogo e ela no tumulto morre, vindo a virar santa para a comunidade) equivale semioticamente às evoluções trágicas do fechamento do livro de Updike. Tanto em Brooks quanto em Updike é a transformação da fé num espetáculo do circo financeiro do capitalismo o objeto contundente de que se vale o artista.

A paixão do universo de Brooks não é algo que jorre como de uma cachoeira, como em Minnelli, mas é uma construção minuciosa e lenta à maneira de ondas que se despencam nem tão braviamente na praia. (Eron Fagundes)