Crítica sobre o filme "Amor de Swann, Um":

Eron Duarte Fagundes
Amor de Swann, Um Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 30/09/2007
“E dizer que eu estraguei anos inteiros de minha vida, que desejei a morte, que tive o meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não era o meu tipo!†Esta frase, dita pela personagem Charles Swann, um aristocrata muito rico, fecha o capítulo “Um amor de Swannâ€, que integra o primeiro volume do romance-rio Em busca do tempo perdido, chamado No caminho de Swann (1913), do francês Marcel Proust. É neste capítulo que o realizador alemão Volker Schlöndorff concentra suas energias cinematográficas para tentar desvendar num filme os métodos estéticos da ficção de Proust, perseguidos nos sonhos mais grandiloqüentes do cineasta italiano Luchino Visconti e poucas vezes ousados pelo cinema, uma delas um frustrante O tempo redescoberto (1999), rodado na França pelo chileno Raoul Ruiz. Talvez o filme que melhor tenha captado o universo íntimo de Proust seja Celeste (1981), onde o alemão Percy Adlon evocava os anos finais do escritor sob o prisma de sua criada.

O resultado da investida proustiana de Schlondorff é Um amor de Swann (Un amour de Swann; 1983), um filme excessivamente controlado em sua encenação, onde cada gesto da câmara parece estar com medo de ferir o monstro da literatura. Visualmente a realização pode deslumbrar pela fotografia minuciosa e introspectiva do sueco Sven Nykvist, pela opulência do guarda-roupa de época, pelas sutilezas dos quadros mostrados. Mas no lugar da densidade de Celeste, por exemplo, também uma narrativa distanciada e reflexiva, o que sobra é uma frivolidade burguesa na concepção estética de Schlondorff; ele filma um pouco como se o que interessasse em Proust não fosse o refinamento profundo, mas um refinamento que enfada — apesar de um certo rigor intelectual, este rigor é atravessado pelo volubilidade da personagem da cortesã Odette, sem que isto transmita ao filme pulsação vital, mas somente este lado preguiçoso e decadente duma classe social.

A frase que fecha o texto de Proust está na boca de Charles Swann, vivido por Jeremy Irons, no filme de Scklondorff. Mas longe daquele efeito no tempo que Proust buscava na memória-eu, o que aparece no filme é uma ilustração vazia e pedantemente literária. Os cenários de Schlondorff são elaboradíssimos individualmente, mas no conjunto cheiram a mofo de época. Jeremy Irons tenta ser fogoso, mas se vai tornando caricato conforme à direção de Schlondorff; Alain Delon aparece pouco, mas em sua caracterização sobressai este ar de coisa velha e ultrapassada; sobra a italiana Ornella Mutti como Odete: seu seio em translado numa carruagem, seio em movimento devorado pelas mãos, pela boca, pelo rosto de seu amante, este seio de uma jovem Ornela é uma poesia erótica do cinema que poderia resgatar o filme impedindo-o de encerrar-se num sótão para aranhas. Mas, como o propósito do filme não se centra em Odete, mas no ciúme voraz do homem diante dela, Um amor de Swann perde sua oportunidade proustiana. (Eron Fagundes)