Crítica sobre o filme "Inesquecível":

Eron Duarte Fagundes
Inesquecível Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 30/10/2007

Paulo Sérgio Almeida é um veterano diretor do cinema brasileiro, embora seus filmes mais antigos estejam esquecidos. Autor de Beijo na boca (1981), Banana split (1986) e Sonho de verão (1990), em tempos recentes de sua filmografia seu nome esteve vinculado às produções despersonalizantes estreladas pela estrela televisiva Xuxa, como Xuxa e os duendes (2001). Em seu trabalho de estréia, Beijo na boca, Paulo Sérgio apontava como um realizador que prometia esteticamente ao rodar uma crônica urbana carioca que, se não dava o grande salto, ao menos estava num caminho que propunha alguma inquietação formal e temática; os então jovens Mário Gomes e Claudia Ohana viviam uma dupla de namorados que iam ao encontro de atitudes de irreverência para o tradicional núcleo familiar. Dessa primeira realização pouca coisa sobrou na memória, senão que era um filme bom de ver e correto em seus níveis de estilo e assunto.

Vinte e seis anos depois, o cineasta retorna com uma nova crônica urbana carioca, Inesquecível (2007), mas um filme extremamente voltado para dentro de si mesmo, mais fechado, menos aberto para as questões sociais que, mesmo frouxamente, Beijo na boca insinuava. Formalmente, Paulo Sérgio evoluiu bastante, e seus refinamentos estilísticos podem fazer as delícias de alguns em seu novo filme. A fotografia é assinada por Antônio Luiz Mendes, também um veterano como o diretor e um dos fotógrafos mais competentes do cinema brasileiro; o roteiro, extraído do conto “O espectroâ€, do uruguaio Horacio Quiroga, é exato, preciso, e está atribuído a Marcos Bernstein, diretor de um dos mais belos filmes brasileiros recentes, O outro lado da rua (2004). Porém a utilização na filmagem e na montagem dos brilhos da iluminação de Antônio Luiz e da “contundência literária†do roteiro de Bernstein esbarram um pouco no artificialismo, dificultando ao de leve que as engrenagens narrativas se soltem bem no andamento fílmico.

É verdade que Inesquecível ousa romper com certos códigos narrativos mais folhetinescos em que muitas vezes o cinema brasileiro atual incorre. É verdade que sua construção de filme dentro do filme com o filme-dentro como reflexo do filme que estamos vendo, é engenhosa e nos atrai. Contudo, para bem definir o sentimento que emana de Inesquecível (um filme bonito, bom de ver, com seus vôos controlados, como era Beijo na boca), vou recorrer a um diálogo do próprio filme. Quando o ator e produtor vivido por Murilo Benício resolve mudar o roteiro do filme-dentro baseando-o em sua própria vida presente, um elemento da produção se queixa: “Mas as cenas tinham ficado tão boas!â€. O ator-produtor retruca: “Ficaram boas (?)... Só os filmes ótimos transcendem.†Inesquecível se força por transcender, mas não chega lá. Vendo esta nova obra do realizador, descobre-se que Paulo Sérgio marcou passo desde Beijo na boca: promete, tenta refazer seu roteiro para ser incluído entre os transcendentes, mas só faz cenas razoavelmente boas. Não são impressivas: com o passar dos anos, nos esqueceremos delas.

Tudo é muito frágil em Inesquecível. As interpretações são fugidias, a espontaneidade logo vira artifício ou falta de jeito herdado de suas vivências na televisão. O roteiro muitas vezes escapa-se na montagem. A plástica das imagens não serve para interiorizar, como em Robert Bresson ou Michelangelo Antonioni, dois mestres cujos passos Paulo Sérgio talvez tente ensaiar, inconscientemente. Entre uma certa falsidade de encenação e uma elaboração formal que se oculta engenhosamente, Inesquecível se situa no limbo do cinema brasileiro.(Eron Fagundes)