Crítica sobre o filme "Triunfo da Vontade, O":

Eron Duarte Fagundes
Triunfo da Vontade, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 01/11/2007
Quem diria! Um dos mais belos filmes já feitos é um panegírico de Adolf Hitler, o criador do mundo nazista. O triunfo da vontade (Triumph des Villens; 1936), documentário rodado por Leni Riefenstahl sob encomenda do governo alemão nazista, é uma das películas esteticamente mais criativas e pessoais feitas na década de 30; poucos filmes daqueles anos logram sobreviver ainda hoje com tanta bravura como se fosse um trabalho do futuro, o que demonstra a eterna dualidade de sua realizadora.

Riefenstahl é uma autêntica mulher de cinema. Ainda que rode aparentemente um documentário e uma descarada propaganda política, suas opções de plano cinematográfico, sua forma de iluminar a cena e suas articulações de montagem constroem um estilo fílmico inconfundível em que a apurada plástica da realização ajuda a compor um retrato assustador da personagem histórica de Hitler. Nota-se que Riefenstahl acredita no Führer e a personalidade da cineasta se identifica com a do chefe do Reich alemão, criando entre ambos um espaço do demônio alemão; Riefenstahl foi um dos poucos artistas de cinema que então conseguiam fugir à influência devastadora do expressionismo, criando uma linguagem tão sombria e perversa quanto a de Fritz Lang mas com uma pomposidade diferente.

As paradas gigantescas e os discursos marcadamente encenados são dispostos de maneira oblíqua e impositiva em O triunfo da vontade, que é o triunfo do cinema a despeito do naufrágio político. O nazismo foi soterrado pela história; e, como a história é contada pelos vencedores, o talento da nazista Riefenstahl permaneceu muito tempo no limbo e ainda hoje é complicado exaltá-lo. No admirável filme de Ray Muller Leni Riefenstahl, a deusa imperfeita (1993) uma anciã de noventa anos é confrontada com seus fantasmas da juventude; mas o espectador não deixará de espantar-se com a notável lucidez duma artista nonagenária que ainda nos assombra. Diante de O triunfo da vontade, a reação é idêntica: podemos envergonhar-nos, mas nestas imagens cheias de esplendor o nazismo invade nosso sangue.

Arte e política, ou a forma como a política interfere na arte, muitas vezes destruindo-a. Lembro que o escritor francês Louis Ferdinand Celine, em face de seu anti-semitismo, foi vítima de preconceito e sua notável estética olhada com desconfiança. Riefenstahl, falecida há poucos anos, é do mesmo time. (Eron Fagundes)