Crítica sobre o filme "Duas Inglesas e o Amor, As":

Eron Duarte Fagundes
Duas Inglesas e o Amor, As Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 17/11/2007
Em As duas inglesas e o amor (Les deux anglaises et le continent; 1971) o realizador francês François Truffaut revela uma notável influência da literatura em seu cinema. Como seu patrício Eric Rohmer, mas de maneira mais romântica e menos intelectual, o texto é tão importante quanto a imagem: os belos cenários fotografados com sensibilidade por Nestor Almendros contracenam com frases, ora oriundas de cartas trocadas entre as personagens, ora escritas em solitários diários, aqui ditas pelo narrador-off, logo sentenças colocadas na boca das criaturas. E, como ocorria em seu primeiro e mais importante filme, Os incompreendidos (1959), torna a ocorrer a homenagem ao maior romancista francês: em Os incompreendidos as crianças acendem velas à imagem de Balzac, Santo Balzac; aqui, por duas vezes, a estátua de Balzac esculpida por Rodin aparece na tela, a câmara circula brevemente em torno dela e o narrador-of a ela se refere. Como seu companheiro da nouvelle vague, Claude Chabrol, Truffaut elabora sua linguagem cinematográfica a partir de dois elementos básicos: a escrita do cineasta Alfred Hitchcock e as pinturas sentimentais de Honoré de Balzac.

As duas inglesas e o amor é uma variação do triângulo amoroso contido em Uma mulher para dois (1961), o segundo longa-metragem de Truffaut. Naquele filme de 61 Jeanne Moreau estava entre o amor de dois homens; em As duas inglesas Jean-Pierre Léaud é amado por duas mulheres, depois afasta-se delas relacionando-se com outras, mantém anos depois um caso com uma delas, vem a morrer de tuberculose, após a morte desta desvirgina a outra, mas separa-se desta também. “O amor não incomoda, mas a incerteza do amorâ€, eis uma frase, dita por uma personagem, que poderia servir de epígrafe ao filme. Em As duas inglesas retorna, em planos secundários, o triângulo de Uma mulher para dois: Muriel, a primeira das mulheres a ser possuída por Claude, mantém relacionamento simultâneo com Diurkas; ao cabo da fita, Claude publica um livro em que conta a história de amor de uma mulher por dois homens, o editor é (coincidência romanesca) Diurkas.

Em As duas inglesas e o amor Truffaut exibe uma frescura formal e emocional que ele perderia a partir do final dos anos 70. Realizando filmes excessivamente fechados e acadêmicos como O último metrô (1980) e De repente num domingo (1983), sem embargo de algumas obras mais curiosas como O homem que amava as mulheres (1977) e O quarto verde (1978), mas de qualquer maneira bastante longe do nível duma obra-prima como As duas inglesas e o amor. (Eron Fagundes)