Crítica sobre o filme "Ratatouille":

Rubens Ewald Filho
Ratatouille Por Rubens Ewald Filho
| Data: 25/11/2007

A Disney tem uma bela tradição gastronômica em seus desenhos animados. Talvez o momento mais inesquecível para as crianças seja o do romance entre A Dama e o Vagabundo (The Lady and the Tramp, 1955) quando os tímidos apaixonados compartilham um spaghetti com almôndegas à moda italiana que os leva até um inesperado beijo (ao som da canção Bella Notte, de Peggy Lee). Mas houve também o chefe de cozinha de A Pequena Sereia (The Little Mermaid, 1989) que tenta preparar os Peixes (canção Les Poissons, de Alan Menken e Howard Ashmam). E no A Bela e a Fera (The Beauty and the Beast, 1991) o grande clímax é quando o staff da mansão oferece um Banquete convidando a heroína a ser “a convidada†em Be Our Guest (também de Menken e Ashman, só que encenada como se fosse um grande numero de dança dos anos 30 coreografado por Busby Berkeley. Mas nunca investiram numa historia deste porte, que dá uma visão inesperada e completa do que é uma cozinha, como funciona, quais são seus heróis e vilões, problemas e achados. Um mundo fascinante de que o herói sonha em participar.

Ratatouille é o primeiro filme de animação a ter a culinária como tema central. Certamente uma contribuição da inovadora Pixar (que se fundiu à Disney depois de ter revolucionado a animação como filmes como Carros, Os Incríveis, À Procura de Nemo, Monstros S.A., Vida de Inseto, Toy Story). Chamando para dirigi-lo Brad Bird (que veio do êxito de Os Incríveis) associado a Jan Pinkawa (que é conhecido por ter ganho o Oscar de curta de animação pelo ótimo filme Geri´s Game).

O interessante é tentar unir dois mundos até agora opostos: o dos restaurantes cinco estrelas com o de um rato (notem bem: não os fofinhos camundongos), ou seja, que por isso se comporta como diz a expressão, como um peixe fora d´água. Esta é a historia de um rato chamado Remy, que vive nas paredes de um bistrô francês. Seu sonho é ser um grande cozinheiro, mesmo contra os desejos de sua família (até porque seria obviamente uma profissão inadequada para um roedor). Mas o destino o leva aos esgotos de Paris, onde se instala exatamente debaixo do restaurante de seu ídolo, Auguste Gusteau. Assim ele aprende a verdade sobre a família, amizade e aceitação, que sua única saída é ser realmente o que sempre sonhou. É o sonho impossível ou quase, que todos nos temos dentro da gente. Ou seja, no fundo todos somos Remy.

Tem gente que acha que a Pixar (Toy Story, Os Incríveis) a mais criativa e revolucionaria criadora de filmes de animação da ultima década pode se dar mal assumindo toda produção do gênero da Walt Disney (com que ela se fundiu recentemente). É um passo maior que as pernas, controlarem uma corporação tão grande e de tantos interesses. Nesse momento crucial de sua historia é que eles lançam o seu filme mais polemico, a começar pelo titulo que é impronunciável para grande parte da platéia (a ponto de ter junto a pronuncia fonética), nem tanto crianças, mas norte-americanos em geral, reticentes com palavras estrangeiras: Ratatouille é o nome de uma comida francesa como um guisado feito pelas mães do interior e também o nome do herói. A bilheteria por enquanto parece confirmar as duvidas. As críticas quase todas foram favoráveis, mas não se esqueçam que elas foram escritas por adultos e o público alvo são crianças que cada vez mais tem sua maneira de pensar própria.

Nada contra sua parte técnica, que cada vez vai ficando mais esplendorosa, brilhante. Acredito que este é o filme de animação mais bonito que eu já vi, com incríveis detalhes e requintes. Mas não chega a ser essa delíicia que todos apregoam. Além de ser longo, um pouco arrastado, não chega a ser tão engraçado assim.

Eu o assisti numa sessão onde os pais levaram crianças pequenas e o cinema cheio parecia um parque, com crianças inquietas, entrando e saindo, sem sossego. Portanto não é para crianças pequenas. Pode ser que não tenha havido necessidade de tornar o rato... como dizer, tão rato! Um personagem por definição repulsivo (e por isso mesmo que o mestre Disney usava o camundongo que era menor e mais bonitinho). Uma decisão que fica meio assustadora quando os bichos são mostrados em grupos. Nada daqueles animais fofinhos e encantadores que a Disney nos propôs a vida toda. Mas é justamente essa a proposta do filme, mostrar que a aparência engana. Gostei particularmente da figura do critico de culinária (atenção mais velhos: o diretor se baseou na figura do ator francês Louis Jouvet, que tinha aquele tipo sinistro). Depois de pintar como vilão, é ele que tem a honra de dar a moral da historia: Não é que todos podem cozinhar, mas se tiver talento não importa sua origem, não tem que fazer cursos ou ser metido a fino usando o nome de chef. Pode ser mesmo rato!

De qualquer forma, este é outro dos muitos filmes que endeusam e mitificam novamente a cidade de Paris, um lugar de sonho, novamente endeusado por Hollywood. Resisti bastante ao resultado mas me rendi ao filmes nos dez minutos finais, que são eletrizantes e muito simpáticos.

Não perca (principalmente adultos). (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 18 de julho de 2007)