Crítica sobre o filme "Bandido da Luz Vermelha, O":

Eron Duarte Fagundes
Bandido da Luz Vermelha, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/11/2007
Um dos filmes que melhor expressava, por meio de uma linguagem, o momento da sociedade brasileira no fim dos anos 60 era O bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla. Como todos os filmes do movimento underground do cinema brasileiro então em seu auge, O bandido revelava uma preocupação quase essencialmente cinematográfica, as possíveis correspondências metafóricas com a realidade nacional eram abstratas e distantes. Mesmo assim, O bandido foi um dos filmes que melhor permaneceu na retina dos amantes do cinema brasileiro, graças à força de suas torturadas imagens.

Basicamente confluindo entre duas influências fílmicas notáveis, o norte-americano Orson Welles e o franco-suíço Jean-Luc Godard, O bandido da luz vermelha sobrevive longe do pastiche. Welles: angulação rebuscada, inserção radiofônica na faixa sonora, montagem alucinada e grandiloqüente. Godard: Sganzerla vale-se dum gênero da indústria, o western, para criar seu próprio gênero, uma experimentação fora da indústria.

O que vai transformando estas influências européias num audiovisual extremamente nosso, brasileiro, é a maneira escrachadamente terceiromundista de filmar que Sganzerla dispõe em cena. A personagem central é de maus modos, grossa, avacalhada, mas a imagem lhe vai atrás, avacalha as coisas, esculhamba com o cinema bem comportado. O bandido come e anda de maneira deselegante, assalta, mata, estupra, atira a esmo. A certa altura exclama: “Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha e se esculhamba.†A imagem é a do bandido contra um muro escuro à noite cercado de outras criaturas. Depois o bandido ainda completa, reiterando sua idéia: “a gente avacalha e se esculhambaâ€, agora a imagem mostra o protagonista acompanhado de sua amante, Janete Jane, num carro. O bandido da luz vermelha é isto: um grito impotente em torno das possibilidades de melhorar o país dos generais e o cinema das elites; impotente sim como solução vital, mas esteticamente poderoso. Neste filme Sganzerla ironiza inclusive o gosto do público: “Neste país o cara tem de ser grosso para ser aceito. Vi isto naquele bang bang italiano, do Gringo; o público, em vez de reagir, gostava, aplaudia.†Contemporâneo dos filmes da Boca do Lixo, O bandido foi rodado no mesmo cenário onde os pornógrafos rodavam seus películas da época; vemos constantemente na turbilhonante montagem de Sganzerla a aparição de cartazes de filmes pornôs. Uma das formas de nossa grossura era a exposição sexual que o cinema paulistano da Boca do Lixo fazia então. Agressivamente imperioso, O bandido da luz vermelha chega a ser sarcástico em suas notas sociais. Começa com um grupo de meninos pobres brincando de bang bang. Termina com travellings laterais (precariamente documentais) de nossas favelas. E inclui uma impagável cena de um político que pretende dar aos famintos o que mastigar: uma bicicleta. (Eron Fagundes)