Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 17/01/2008
Juventude (Sommarlek; 1951) foi rodado pelo cineasta sueco Ingmar Bergman dois anos antes de Noites de circo (1953), considerado o primeiro grande filme do diretor. Mas exibe uma naturalidade impressiva em seu absoluto rigor formal; sem concessões ao gosto de soluções sentimentais e narrativas fáceis do público, Bergman compõe um melodrama tão tenso quanto intenso. A história de amor de Marie e Henrik —curta, comevente e trágica— é herdeira dos grandes narradores literários e teatrais do século XIX em que Bergman sempre se inspirou para renovar o cinema; mas ele é um homem do século XX, o século do cinema, e soube dar uma dignidade incomparável a esta nova arte.
Ao longo de Juventude, o espectador bergmaniano colhe frutos que depois Bergman amadureceria e aprofundaria em sua filmografia. O casal apaixonado de Juventude devora morangos silvestres num cenário exuberantemente natural, como ocorreria com Isaak Borg e sua namoradinha na juventude em Morangos silvestres (1957); pelo jeito os ditos morangos silvestres são um fetiche simbólico da infância ou adolescência de Bergman, tornando-se um tema reiterativo em seu cinema dos anos 50. O casal discute também a questão da morte, que amedronta o jovem Henrik, cujo destino vai pregar uma peça fatal após um acidente que o rapaz sofre caindo num despenhadeiro à beira-mar. A morte e Deus são obsessões da obra de Bergman. Após a morte infortunada de Henrik, Marie esbraveja contra Deus, vemos um primeiro de seu rosto em insultos blasfemos, algo meio nietszcheano; em A fonte da donzela (1959) a personagem de Max Von Sydow se revolta contra o Criador que permitiu que sua filha fosse estuprada e morta por salteadores do mato.
Há em Juventude um naturalismo feroz de encenação que Bergman só atingiria depois em seu documentário Minha ilha (1979), uma autêntica autoficcção do cineasta. Mas esta voracidade natural não impede a composição de interiores maravilhosos, refinados, introspectivos. Fotografado por Gunnar Fischer, habitual colaborador de Bergman na época (o preto-e-branco expressionista de Morangos silvestres é dele), Juventude desfralda diante do espectador a inventividade cinematográfica de Bergman, embora mais do que nunca as marcações teatrais de seu cinema estejam presentes. A belÃssima seqüência final de balé (a protagonista é uma bailarina) coroa plasticamente esta aridez de teatro de que Bergman nunca abdicou.
Pode-se reprovar a Juventude um roteiro aqui e ali hesitante, imaturo, divagando por temas bergmanianos sem a agudeza de seus grandes filmes; mas este pequeno senão não retira a profunda beleza que emana de cada enquadramento armado por Bergman neste filme. (Eron Fagundes)