Crítica sobre o filme "Monika e o Desejo":

Eron Duarte Fagundes
Monika e o Desejo Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 27/02/2008
Podem acusar-me: Eron Duarte Fagundes é suspeito para analisar qualquer filme do sueco Ingmar Bergman. Sou um bergmaniano convicto e mesmo os Bergman menores me atraem por esta hipnose de filmar que identifico na elaboração de imagens do cineasta. Reconheço que Mônica e o desejo (Sommaren Med Monika; 1952) não está entre as obras-primas do realizador, mas tem aquela agudeza e precisão de encenar que o torna mais profundo e apaixonante que quase todos os filmes feitos hoje, inclusive alguns que à primeira vista nos parecem destacar-se do ramerrão despejado pelos programadores nas telas de cinema.

De certa maneira, Mônica e o desejo antecipa as preocupações de Bergman com as dificuldades do casamento no século XX, tema que o obsessionaria por toda a vida; e por sua estrutura o filme também se assemelha aos contos morais que o francês Eric Rohmer rodaria nos anos 60 e 70. Na primeira parte do filme, o encontro entre dois jovens, a liberada Mônica e o mais sisudo Harry, vai ocupar a narrativa; caindo fora dos seus empregos e do sistema, os jovens ensaiam diante das câmaras uma espécie de rebelião à sociedade que nas décadas seguintes o cinema americano e o cinema europeu tornariam numa visão mais ácida. Ela engravida e eles mergulham na vida burguesa de casados: ele trabalha, ela fica em casa cuidando do bebê, uma menina. E a segunda parte vai esmiuçar o inferno conjugal: ela está insatisfeita, logo surgem os amantes dela, ele se desespera, ela acaba fugindo, ele cuidará sozinho do filho; e esta situação agônica de um amor findo está admiravelmente simbolizada no primeiro plano do rosto da personagem masculina no fim do filme, o homem tem a criança no colo, mas é sua face que ocupa todo o plano. O tom álacre da primeira parte é substituído pela melancolia desesperançada da segunda parte, mas ainda estamos longo das reflexões sombrias que Bergman passaria a encenar a partir de Noites de circo (1953).

As cenas do barco no mar e a sobrevivência do casal amoroso nos desolados cenários à beira é o que há de mais rohmeriano em Mônica e o desejo. Filmado na ilha de Orn e extraído dum romance do sueco Per Anders Fogelström, Mônica e o desejo tem uma forte tensão erótica habilmente construída por Bergman. Harriet Andersson (na pele de Mônica) caminhando nua por cima dos rochedos para o mar é uma imagem belíssima e atraente (em Música na noite, 1947, Bergman mostrava a nudez de Birger Malmsten, mas ainda não havia a tensão plástica que vemos no nu de Harriet em Mônica e o desejo).

Harriet foi uma atriz constante em várias fases da carreira de Bergman (seu desempenho mais atroz foi o da irmã moribunda de Gritos e sussurros, 1972). Durante as filmagens de Mônica e o desejo, Bergman teve um breve envolvimento com Harriet, mas esta brevidade acabou com seu casamento da época. “Dirigir um filme é um trabalho que encerra um erotismo enorme, pelo fato de estarmos, sem reservas, tão perto dos atores numa entrega total, recíprocaâ€, assim Bergman se explica em Lanterna mágica (1987), sua autobiografia escrita. E não deixa de, no mesmo livro, prestar tributo a seu fascínio pela figura de Harriet: “A atriz Harriet Andersson tem trabalhado comigo ao longo dos anos. É uma mulher invulgarmente forte e sensível. Tem um talento perpassado por rasgos de genialidade. A relação desta atriz com a câmara é direta e física. Possui, além disso, uma técnica excelente, passando com incrível rapidez de momentos de profunda inspiração para um estado de pleno alerta. Demonstra uma faceta humorística, cáustica mas nunca cínica. Numa palavra, é uma pessoa adorável, e uma das minhas amigas mais queridas.â€

Historicamente, Mônica e o desejo foi o primeiro filme de Harriet com Bergman; amaram-se sexualmente durante as filmagens (o erotismo contido no ato de filmar) e depois se amaram como amigos durante toda a vida (uma das amigas mais queridas). Para encanto do espectador bergmaniano, o matrimônio estético Ingmar-Harriet é extasiante em Mônica e o desejo. (Eron Fagundes)