Crítica sobre o filme "Intocáveis, Os - 1ª Temporada Vol.1":

Fernanda Furquim
Intocáveis, Os - 1ª Temporada Vol.1 Por Fernanda Furquim
| Data: 30/03/2008
“Os Intocáveis†é considerada uma das séries mais importantes da história da TV Americana. Ela trouxe a máfia para dentro da televisão e abordou a corrupção policial. Outras viriam para fazer o mesmo, como “The Lawless Yearsâ€, que trazia até algumas semelhanças em histórias e personagens mafiosos. “Os Intocáveis†estreou em 1959 e foi um sucesso imediato. Pelo nível de violência e cenas de ação nunca vistos antes em uma série de TV, a produção acompanhou a vida dos mafiosos e não dos policiais. Algo que seria repetido nos anos de 1980 com “O Homem da Máfiaâ€, chegando até os dias de hoje com “A Família Sopranoâ€.

A cada episódio temos um grupo diferente de mafiosos em suas atividades. Acompanhamos suas relações, seus temores, seus problemas, sua forma de pensar e ver as situações em que se envolvem e, conseqüentemente, seu declínio provocado pelo grupo de Intocáveis liderado pelo agente especial Eliot Ness.

A série tem como base o livro auto-biográfico de Ness, um agente especial convocado pelo Departamento do Tesouro Americano para formar uma equipe de elite com o objetivo único de capturar Al Capone, chefão da máfia de Chicago nos anos de 1920.

O piloto foi produzido pela Desilu para o teleteatro Westingouse Desilu Playhouse. Dividido em duas partes, contou com a introdução de Desi Arnaz, sócio-propietário da Desilu, e Walter Winchell, famoso jornalista da época que serviu também de narrador das histórias. Essas introduções estão disponíveis no Box lançado pela Paramount. A produção executiva da série ficou a cargo de Quinn Martin, que se tornaria um nome importante nos anos de 1970 com séries como “São Francisco Urgente†e “The F.B.I.â€, entre outras. Sob o título de “The Scarface Mobâ€, o piloto chegou a ser exibido nos cinemas na época. No Brasil, chegou com o título de “A Quadrilha de Scarfaceâ€, dirigido por Phil Karlson.

Muito criticada pelo uso da violência, a série apresentou suas histórias no formato docudrama, linguagem introduzida na televisão a partir da série “Dragnetâ€, de 1950. Walter Winchell, faz um relato das atividades de Eliot Ness, apresentando datas, horas, locais, nomes e ações que teriam ocorrido. Teriam, mas não ocorreram, já que a série tem apenas o piloto como fato verídico, o resto é ficção. O grupo dos Intocáveis foi dissolvido após a prisão de Capone e sua transferência para Alcatraz. Mas, para gerar novas histórias e sustentar a série, os roteiristas utilizaram situações e fatos verídicos, colocaram na “panelaâ€, misturaram os ingredientes com os personagens e …voilá, uma história quentinha estrelada por Ness que levou a fama, ao menos na TV, de ter sido o responsável pela captura de famosos - e de alguns ficcionais – bandidos da época, como Ma Barker, por exemplo.

Na vida real, ela foi morta por agentes do FBI, sob o comando de J. Edgar Hoover, em 1935, durante um massacre em Oklawaha, Flórida, no qual Ness não tomou parte. No entanto, existem controvérsias em relação à participação de Ma Barker como líder da gangue. Muitos relatos não-oficiais afirmam que a imagem de criminosa popularizada nos filmes foi criada por Hoover para justificar a morte da mulher durante o massacre.

Talvez por ter a intenção de parecer real, talvez para fazer os agentes parecerem intocáveis, a linguagem docudrama somente foi utilizada na série nas cenas em que Ness e seu grupo são mencionados. Quando a história focaliza os mafiosos, temos uma narrativa dramática comumente utilizada na época pelos teleteatros, ou seja, os dramas dos envolvidos e suas conseqüências. A própria série parece um teleteatro, ou uma série antológica (sem personagens fixos) já que existem episódios em que o grupo dos Intocáveis quase não aparece, como em “Quem Ri Por Último…â€. A condução da situação fica a cargo dos atores convidados. Isso ocorreu em função do contrato que Robert Stack (Ness) assinou com a Desilu, no qual estipulava que ele teria tempo livre para continuar sua carreira em filmes para o cinema.

Os dois primeiros episódios da 1ª Temporada são quase uma seqüência. No piloto, originalmente em duas partes mas no Box de DVD apresentado como um filme, temos a captura de Capone (Neville Brand). Para quem assistiu a versão de Brian De Palma para a história, encontrará poucas semelhanças. A começar pelo fato de que a história já inicia com Capone preso por porte de arma. Logo ele será libertado e, por isso, o grupo dos Intocáveis é formado. Sua missão é mandar Capone para a prisão por uma acusação muito mais grave e por muito mais tempo. Outra diferença é que Ness não é casado ou tem filhos. Ele tem uma noiva que sofre ameaças de estupro caso Ness não abandone sua luta. Em função dessas ameaças, Ness apressa o casamento para poder protegê-la melhor. A personagem desaparece ao longo desta primeira temporada da série. Sua presença somente é sentida pela aliança de casamento que Ness traz no dedo e pela menção à esposa do agente em dois episódios, sendo que em um deles ele conversa com a esposa pelo telefone.

Outra diferença é a ingenuidade com que Kevin Costner, no filme, traz ao personagem no início de sua missão. Sendo um agente e vivendo nesse mundo da Depressão Americana e a par das notícias que eram publicadas diariamente nos jornais, o Ness de Robert Stack não é ingênuo. Por fim, temos o clímax final, que no filme de Palma trouxe para a cena do tribunal toda a tensão relacionada à missão de Ness. Na versão da série, a cena do tribunal é relatada como um noticiário.

Temos como semelhança a morte do braço direito de Ness. No filme de De Palma, Jim Malone, (Sean Connery), um guarda; no piloto da série, Joe Fuselli (Keenan Wynn), ex-presidiário; na vida real, Frank Basile, amigo de Ness.

As filmagens e o desenvolvimento do piloto teve um tratamento diferenciado dos demais episódios produzidos para a série. Em função, justamente, de ter sido feito para um teleteatro, que na época já tinha adotado o visual de telefilme, os quais surgiram, oficialmente, na TV americana na década seguinte. Também pelo fato do filme ter sido produzido com a intenção de ser levado aos cinemas. De qualquer forma, não foi tratado como episódio de série. Assim, temos enquadramentos e movimentos de câmera diferenciados do que seria explorado semanalmente na série de TV.

Em relação à história, temos cenas como a do “beijo da morteâ€, inconcebível para a época em uma série de televisão. Nesta cena, Capone se reúne com alguns de seus capangas para escolher quem iria matar um dos membros da equipe de intocáveis. Ao ser escolhido, o assassino passa pelo ritual do beijo da morte que consiste em cada homem da sala lhe dar um beijo na boca. A cena é apresentada em close, sendo que um dos beijos é visualizado claramente.

O clímax da história não é a prisão de Capone, mas a morte de Fuselli, seguido da destruição de mais uma destilaria, finalizando na cena do funeral. A história, em si, termina aí. A narrativa ainda continua para, de forma documental, ou jornalística, apresentar para o telespectador o que aconteceu com Capone.

O segundo episódio é a continuação da história apresentada no piloto. “Tudo em Famíliaâ€, traz o bando de Capone sem um líder. Ness está na expectativa de que um massacre terá início pela disputa da vaga. Mas, para sua surpresa, isso não ocorre. O contador de Capone consegue convencer os demais a não dar a Ness a chance de prender mais um. Assim, os intocáveis precisam provocar Frank Nitti (Bruce Gordon), de temperamento explosivo, a agir com a arma e não com a cabeça.

Ao longo desta 1ª Temporada os Intocáveis envolvem-se com várias operações dentro do crime organizado: a máfia dos jogos de azar, dos night clubs, dos sindicatos, das feiras ambulantes, do contrabando de bebidas, de armas e de narcóticos. Em várias ocasiões Ness apela para a investigação fiscal do suspeito para tentar prendê-lo da mesma forma que prendeu Capone. Mas a máfia aprendeu com a prisão de seu líder, e todos os principais membros protegeram esse flanco.

Nem sempre Ness sai vencedor e são raras as vezes que consegue proteger seus informantes. A corrupção policial é uma presença constante, a desesperança do americano que vivia o período da depressão econômica faz parte da construção dos personagens. O grupo de Intocáveis liderado por Ness são personagens construídos para fazer valer a lei. Apesar de terem emoções e, em alguns casos deixarem-se envolver, a premissa é a frieza, o raciocínio, a confiança de que estão cumprindo uma missão importante, a idéia de que a sociedade depende deles. Já os mafiosos, são apresentados como impiedosos e violentos, que, na maioria das vezes se envolvem com pessoas comuns, que passam por uma situação difícil e, na falta de uma alternativa, se envolve com o crime. Apesar da violência e do assassinato ser apresentado como um ato banal ou como uma solução para muitos problemas, ainda temos cenas nas quais as mortes de inocentes são sentidas por algum personagem. Até mesmo o mafioso mais frio e calculista, tem seu lado humano exposto em episódio como “O Assassinato de Jake Lingleâ€.