Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 29/03/2008
Anna Karenina (1877), o romance russo de Leon Tolstoi, sempre atraiu o cinema, muito mais por seus componentes de sedução sentimental (uma aristocrata do século XIX que ousou amar outro homem que não seu marido) do que pela transcendência polÃtica e social que uma história de amor contada por Tolstoi pudesse conter. A última e fracassada versão cinematográfica do livro vista por aqui foi dirigida por Bernard Rose em 1997 e tinha no papel central a francesa Sophie Marceau.
As possibilidades de conhecer em dvd, lançamento da Versátil, a versão de Anna Karenina (1948) dirigida na América pelo francês Julien Duvivier dá a medida de que um filme extraÃdo da obra, sem atingir a perfeição de Tolstoi, pode ser algo digno e apaixonante. É bem verdade que os ingredientes do melodrama hollywoodiano desviam o foco crÃtico tolstiano, mas não chegam a abastardar o conceito cinematográfico de Duvivier; o cineasta, célebre pela delicada sutileza de seu engenho de filmar (cuja grandeza esteve inteira em Um carnet de baile, 1938), exercita o máximo de suas faculdades expressivas para dar densidade a um roteiro que capta da trama de Tolstoi o frÃvolo e o circunstancial; a reconstituição de época de Duvivier se deleita no romantismo e sua francesa direção de atores se vai adaptando ao universo interpretativo de que dispõe. Vivien Leigh, mais conhecida por seu desempenho em ...E o vento levou (1939), de Victor Fleming, supera todos os seus limites de estrela e se adeqúa com perfeição aos desmaiados tons da personagem de Tolstoi. Seus parceiros Ralph Richardson (como o marido) e Kieron Moore (como o amante) são extraordinariamente bem conduzidos por Duvivier, casando com precisão de linguagem as interpretações.
Como geralmente acontece com as transposições fÃlmicas, a Anna Karenina de Duvivier elimina a oitava parte do romance, a que prolonga a distensão após o suicÃdio de Anna e busca certas transcendências significativas para a narrativa. A morte de Anna, atirando-se para debaixo de vagões de trem, é o fechamento lúgubre do filme, que se propõe como um retrato de mulher de época tão terno quanto trágico.
Sabe-se que no século XIX as figuras femininas interessaram bastante os romancistas. Já a partir dos românticos; entre nós o controverso escritor cearense José de Alencar se embeiçou em palavras por suas divas, senhoras e lucÃolas. Capitu é uma entidade estranha. Ema Bovary foi, como Anna Karenina, um espÃrito romântico retratado com escrúpulos realistas. A Anna Karenina de Duvivier pertence a uma fase romantizada do cinema. Todavia, mesmo sem a agudeza visual e crÃtica do realizador austrÃaco Max Ophüls, Duvivier faz um belo filme, serenamente clássico. (Eron Fagundes)