Sem favor nenhum, o argentino Hector Babenco é um dos nomes quentes do cinema brasileiro. Distante da vertente mais social de seu universo, em O passado/El pasado (2007), co-produção entre a Argentina e o Brasil, o cineasta roda um tenso e obscuro melodrama platino; excessivo em suas guinadas de roteiro, montado às vezes com alguma displicência formal que torna certas seqüências mais frouxas, o novo Babenco não deixa, todavia, de conter a capacidade de encenador de Babenco, seu constante brilho narrativo que vem desde o policial-social Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1977) e pode ser percebido ainda em sua narrativa do cárcere Carandiru (2003). Esforçando-se por esquivar-se a uma proximidade com o filme de gênero, ou ao menos um gênero comercial como o filme de ação ou o filme policial (que poderiam despersonalizar suas intenções autorais), O passado tenta ser um contraponto a este outro lado de Babenco, mergulhando num drama introspectivo bastante fechado e que propõe algumas dificuldades ao público; fazendo uma citação direta ao clássico do francês François Truffaut A história de Adèle H., de 1975 (Adèle H. é o nome duma casa cultural aberta pela principal personagem feminina do filme, Sofia, a amante eterna do protagonista vivido pelo mexicano Gael García Bernal), na verdade O passado busca ligações estilísticas com as performances psicológicas dos espanhóis Carlos Saura e Victor Erice em seus filmes dos anos 70, embora faltem a Babenco a agudeza política de Saura e a hipnose visual de Erice.
A ciranda que se dispersa facilmente ao longo de O passado é formada por um homem no centro, Rimini, e em torno dele três mulheres: Sofia, de quem ele se está separando no início do filme; a modelo Vera, com quem ele mantém uma alta voltagem sexual; e Carmen, que é, como o homem, tradutora. A visão que Babenco e sua personagem central apresentam das mulheres é bastante negativa: Sofia é um constante inferno que, mesmo após a separação, não o deixa em paz; Vera é uma ciumenta neurótica que se mata atirando-se contra um ônibus quando o vê ser beijado apaixonadamente por Sofia, a ex pé-no-saco; e Carmen arranja-lhe um filho, mas, não perdoando os deslizes do homem, se afasta dele, afastando-lhe também o filho. Com precário subjetivismo, Babenco exerce sua crítica do feminino.
Realce para a participação profundamente afetiva do ator brasileiro Paulo Autran como um conferencista francês em Buenos Aires. Autran morreria pouco depois e esta ficou como sua última aparição em filme. Caminhando com dificuldade, falando aos tropeços, frágil em seus gestos, Autran já traz nesta sua última interpretação a doença que o mataria. Mas, mesmo sem a grandiloqüência do ditador Porfírio Diaz que Autran viveu em Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, o mais belo filme brasileiro, não há como não se comover com a auto-interpretação de sua própria morte que Autran põe como uma delicada despedida em O passado.
O filme tem seus problemas estruturais, mas aqui e ali um ou outro engenho levantam um pouco seu baixo moral. (Eron Fagundes)