Crítica sobre o filme "Vida dos Outros, A":

Edinho Pasquale
Vida dos Outros, A Por Edinho Pasquale
| Data: 30/04/2008
O filme A Vida dos Outros chega em DVD com o peso de ter ganho 53 prêmios em diversos festivais, incluindo o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007. Com tudo isso, é inevitável não chegar até o filme com grandes expectativas. O bom de A Vida dos Outros é que ele não decepciona. O filme segue a escola alemã de cinema, muitas e muitas vezes caracterizada pela qualidade de roteiro e de direção e, mais que isso, pela “veia filosófica†de suas produções, fazendo assim mais uma contribuição para a lista de filmes alemães que toca em pontos importantes e chagas não-curadas do que faz a Alemanha ser o país que é hoje. Como Adeus, Lenin! e outros filmes recentes, A Vida dos Outros conta uma história contemporânea alemã, narrando um pouco da vida na Alemanha do Leste - também conhecida como RDA (República Democrática Alemã) ou sua versão em alemão, DDR - Deutsche Demokratische Republik - antes da queda do Muro de Berlin. Mas, diferente de Adesus Lenin! , que conta um pouco da vida de pessoas comuns, Das Leben der Anderen toca em uma chaga ainda aberta: o trabalho de vigilância, censura, tortura, repressão e controle que a chamada Agência de Segurança Nacional seguia fazendo mesmo depois da queda do regime nazista - com técnicas que lembram alguns abusos do tempo da ditadura alemã.

Como o filme trata de parte da história da Alemanha no pós-guerra, ele se foca na realidade da Alemanha do Leste, deixando a Alemanha Oriental fora da história. É interessante acompanhar o estado de permanente vigilância em que vivem as pessoas daquela Alemanha. Mas A Vida dos Outros não trata apenas da “Alemanha como ela eraâ€, mas questiona também o poder da arte e sobre o que uma pessoa “comum†- nesse caso um artista que produz uma peça de teatro - pode fazer para mudar a sua realidade, para contribuir para modificar um sistema com o qual não está de acordo.

É fato que os intelectuais e os artistas de cada país são os primeiros a sofrer quando surge uma ditadura ou uma forma “democrática†de poder que não deixa vez para as opiniões dissonantes. Mas também mostra como uma pessoa comum, no caso o personagem de Gerd Wiesler, pode estar dentro do sistema e, ainda assim, mudá-lo a sua maneira -nem que seja impedindo que alguns inocentes morram ou sejam mortos. Ou seja: não interessa em que lugar você esteja, mas de que lado você está. E podes estar em um lugar que parece ser o errado mas, ainda assim, sempre se pode escolher que caminho seguir. Essa é uma das importantes questões do filme.

Os atores do filme realmente estão afinadíssimos e conseguem um desempenho digno de prêmios. Fiquei fascinada especialmente por Ulrich Mühe e por Sebastian Koch, assim como por Martina Gedeck. A direção e o roteiro de Florian Henckel von Donnersmarck também merecem aplausos - especialmente o seu roteiro, com algumas “reviravoltasâ€, surpresas e com um final de arrepiar - sem contar que ele consegue evitar todos os clichês do gênero.

A Vida dos Outros nos faz refletir sobre a possibilidade das pessoas mudarem. Ainda que eu ache que, no caso de Wiesler, sua natureza não seja da violência ou da maldade, mas por um tempo ele cedeu ao fascínio de interrogar, vigiar e tudo o mais porque parecia “a coisa certa a fazer†e porque, talvez naquele contexto, essa era sua melhor alternativa. Mas quando o tempo passa e ele vai mudando - especialmente, na minha opinião, quando ele entra no mundo acadêmico, campo fértil de questionamentos -, não consegue mais fazer o que fazia antigamente. Sem contar que, no caso do filme, tanto a música quanto o teatro, ou seja, a arte, faz com que essa mudanaça seja ainda mais profunda. Para resumir: um bom texto, uma grande direção e ótimas interpretações em uma história corajosa sobre uma Alemanha que os alemães ainda lembram - e do qual não querem esquecer. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)