Crítica sobre o filme "Penelope":

Edinho Pasquale
Penelope Por Edinho Pasquale
| Data: 30/04/2008
Desde o lançamento de Para Sempre Cinderela, de 1998 e, depois, de Shrek, a visão dos “contos-de-fada†mudou um bocado em Hollywood. O primeiro filme, com Drew Barrymore, está completando 10 anos. A produção, que transportava para o “mundo real†a história de Cinderela, cativou muita gente especialmente pelo carisma da protagonista. Depois, Shrek (2001) surgiu como uma paródia animada dos contos-de-fada tradicionais, com uma boa dose de humor e sarcasmo. Por tudo isso, a nova “remessa†de filmes que tentam repetir a fórmula, como este Penelope e Encantada, acabam perdendo boa parte de sua “força†como novidade. Porque não são nada novos, claro. Ainda que Penelope consiga cativar o espectador incauto especialmente pela simpatia dos protagonistas, interpretados por Christina Ricci e James McAvoy. Além disso, o filme tem uma certa dose de cuidado estético e algumas “sacadas†muito boas - especialmente com a sua “crítica†velada a superexposição midiática de alguns ricos e famosos.

Como todo conto-de-fadas ou fábula, Penelope tem a idéia de uma “moral†ou “sentido da históriaâ€. Mas além do mais óbvio, que é a questão do que “cada um deve aceitar o outro como ele éâ€, de que “a beleza exterior importa menos que a interior†e de que “a força de qualquer maldição depende da importância que se dá a ela†(como bem diz o garotinho simpático no final do filme), Penelope trata de outras questões interessantes, especialmente na superexposição de determinadas pessoas na mídia e sobre o círculo de interesse que eles criam sobre si mesmos - e, claro, sobre a dependência das pessoas que vivem em função destes “desconhecidos tão familiaresâ€.

Mas antes de entrar neste tema, vamos ao que o filme realmente é: uma história romântica com boa dose de comédia que resgata a “alma†dos contos-de-fadas e a transporta para o mundo real. Como disse no início deste texto, esse “transporte†não é algo novo… vêem sendo feito com uma certa frequência nos últimos 10 anos, desde aquele filme com Drew Barrymore. E vem sendo feito porque dá certo, claro. Funciona tanto com o público infantil, que fica encantado em ver no “mundo real†algo tão fantasioso, como funciona também com o público adulto, especialmente com aquela faixa de espectadores que gosta de um bom romance com comédia e fantasia.

A verdade é que Penelope se sai muito bem. Em especial pela sintonia de Christina Ricci com James McAvoy (que interpreta Johnny, um jogador de pôquer que resolve se passar pelo filho “de boa família†Max para conseguir dinheiro). Também funciona pela direção competente e cuidadosa de Mark Palansky, pelo interessante trabalho de fotografia de Michel Amathieu e por detalhes tão importantes em uma história assim como é a direção de arte de Gerard Bryan e John Reid, os cenários e decoração em cena de Bridget Menzies e o figurino de Jill Taylor. O figurino, aliás, merece uma menção honrosa. Realmente um belo trabalho de Taylor.

Mas todos estes elementos técnicos e de cuidado estético não funcionariam se os atores não fossem competentes. E além dos já citados, destaco a atuação divertida e equilibrada de Catherine O’Hara e Richard E. Grant como os pais da “garotinha com cara de porcoâ€. Os dois, que na história eram superexpostos pela mídia, fazem um pacto de distanciamento e de isolamento de sua filha para “protegê-la†- e a eles próprios, claro. Claramente os dois tem visões diferentes do que seria melhor para a garota, especialmente depois que ela passa por anos de rejeição de todos os “bons partidos†da sociedade local. Mas ainda assim eles não tem coragem de quebrar uma rotina com a qual tiveram que se acostumar. E a coragem de Penelope joga todos em um novo e decisivo ciclo.

Um ponto de vantagem do filme é que ele não “endeusa†ou enfeita os personagens principais. Exceto por Penelope, que realmente parece uma “santa†que foi criada em uma redoma de vidro, isolada do mundo e de seus perigos e tentações - curioso que ela não assite televisão, hein? - todos os demais e, em especial, o “herói†ou “príncipe encantado†da história, são bem reais e passíveis de erros. Mas, como em qualquer encontro bom na vida, tanto nosso “herói†como nossa “heroína†mudam depois de se encontrarem. A realidade que lhes incomodava parece já não ser possível depois do encontro que tiveram - ainda que rápido, mas suficientemente importante para motivá-los a mudar de vida. Bons encontros fazem isso com as pessoas.

Mas como eu disse antes, merece um capítulo a parte a questão da superexposição de algumas “celebridades†na mídia. Muito interessante o personagem do jornalista Lemon (interpretado pelo ótimo Peter Dinklage). Ele persegue a história de Penelope para se redimir e, por ironia, sem perceber que ele talvez faça isso porque é considerado também “uma aberração†na sociedade consumista e padronizada por modelos magérrimos e “plasticamente perfeitos†que a própria mídia vende. No fim das contas, acho que muitos jornalistas que tentam expor as outras pessoas e/ou serem polêmicos tentam, na verdade, resolver publicamente problemas que não conseguem resolver com eles mesmos.

Ainda sobre este tema, achei interessante a parte em que a mãe de Penelope a questiona sobre esse seu prazer de estar exposta na mídia… no fundo não era o que ela procurava quando saiu de casa. Ela queria sua independência e conhecer a vida fora da redoma em que estava, mas sem querer ela virou “atração pública†da cidade. E gostou. A verdade é que muita gente se surpreende, depois de um tempo, gostando de uma superexposição que não é real. Claro, todos queremos “um pouco de atençãoâ€, como diria um certo Renato Russo. Mas e quando essa atenção vira necessidade e/ou vício? Quando Jessica comenta com a filha de que as pessoas que ela chama de amigos de verdade são, na verdade, fãs de uma pessoa que aparece na mídia, Penelope se dá conta que talvez esta superexposição seja uma fantasia. Quem sabe o grande conto-de-fadas do filme. E claro que ela tinha, no meio das pessoas que a cercavam, amigos de verdade - como Annie (Reese Witherspoon, também produtora do filme) e Jack (Richard Leaf) - mas, como qualquer pessoa normal desta vida, ela poderia contar nos dedos das mãos os que não a seguiam por algum interesse ou em busca de vantagens.

No fim da história, uma das morais menos óbvias é que muitos personagens descobrem que podem ser felizes de maneira simples, seguindo intuitivamente o que eles acham mais importante e, paralelamente a isso, ignorando a superexposição à mídia que muitos parecem querer, mas que poucos entendem como é extremamente ilusória e prejudicial. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)