Crítica sobre o filme "Bússola de Ouro, A":

Edinho Pasquale
Bússola de Ouro, A Por Edinho Pasquale
| Data: 14/05/2008
Sempre que a Igreja se posiciona contra um filme, ele me interessa. Sou católica apostólica romana, mas isso não significa que sou uma pessoa que usa viseiras ao lado dos olhos. Pelo contrário. Por toda a minha formação pessoal, cultural, acadêmica e profissional, não gosto de proibições, censuras, privações de liberdade ou de qualquer olor que se pareça a isso. Por isso eu acho que a Igreja Católica Apostólica Romana deveria se ocupar de trazer para os dias atuais os ensinamentos de Jesus, do cristianismo, e não resgatar o passado macabro em que proibia obras culturais, descobertas científicas ou o livre pensar humano. Assim, sendo, gostei um pouco mais de A Bússula de Ouro quando soube que a Igreja havia publicado um documento rechaçando o filme. E o detalhe: rechaçam esta produção dirigida por Chris Weitz sem saber que ela foi suavizada em relação ao livro do qual a história é baseada.

A Igreja rechaça o filme apenas pelo fato de que o autor do livro, o escritor premiado Philip Pullman, é um ateu convicto. E daí? José Saramago também é ateu, assim como tantos outros escritores maravilhosos. Além do fato do filme merecer ser visto só para contrariar esta tentativa de censura, ele se trata de uma bela história de fantasia com vários elementos interessantes a comentar e, claro, um caminhão de efeitos especiais e de apuro técnico que lhe torna impecável enquanto peça de cinema.

Mas antes de seguir comentando o filme, quero só complementar o resumo dele feito ali em cima: Antes da chegada de Lord Asriel em casa, uma narradora nos conta que existem muitos universos que co-existem em paralelo, ligados por uma substância chamada “poeiraâ€. Em alguns deles as pessoas vivem com suas almas no corpo, enquanto em outros, como no qual se passa essa história, as pessoas vivem com parte de sua alma ao lado, em seres chamados “dimons†(pequenos animais que vivem sempre acompanhando adultos e crianças). Antigamente os sábios daquele planeta utilizavam os “alethiometers†para conhecer a verdade sobre as coisas, mas estes instrumentos foram proibidos, assim como a menção a “poeiraâ€. Os alethiometers nada mais são que uma espécie de bússula de ouro - todas foram destruídas, exceto uma, que era de propriedade do cientista Lord Asriel (Daniel Craig).

Mas o melhor mesmo é assistir a esse filme sem saber quase nada do que se vai passar – ou, se você leu o livro, assistir a transposição de parte da magia da obra literária para o cinema. Como peça de cinema, A Bússula de Ouro se apresenta como uma bem contada história de fantasia, com muitos elementos interessantes - como reinos com raças diversas, incluindo bruxas, ursos gigantes, os “gyptians†das águas e os humanos e seus “dimonsâ€. Depois, o filme apresenta uma narrativa envolvente, sem ser cansativa, do princípio ao fim, cercada por competentes efeitos especiais e um cuidado com os figurinos de tirar o chapéu. Tecnicamente falando, é um filme muito bem acabado.

Diferente do que outros disseram, eu gostei do roteiro do diretor Chris Weitz. Para mim, ele conseguiu condensar em duas horas muito da obra de Pullman - detalhe: A Bússula de Ouro é apenas o primeiro livro de uma trilogia conhecida como Fronteiras do Universo. Depois de A Bússula de Ouro a trilogia continua com A Faca Sutil e com A Luneta Âmbar. E se na parte técnica o filme é muito bem resolvido, na parte de interpretações dos atores eu também gostei do que vi. Nicole Kidman e Daniel Craig (este último em um papel muito pequeno) estão muito bem em seus papéis, mas quem rouba a cena mesmo é a jovem Dakota Blue Richards. A garota dá o tom exato de uma pré-adolescente ávida por aventuras que, para seguir adiante é capaz de mentir e dissimular, ainda que tenha muita coragem e sentido de dever. Sua amizade com os jovens Roger e Billy Costa é muito bonita - especialmente a relação com o primeiro, que acaba lhe acompanhando para a próxima aventura. Gostei também dos elementos dos bichos que acompanham os humanos.

A Igreja fez toda a gritaria por pouco. Afinal, qual é o problema se um filme para todas as idades, incluindo para as crianças, questiona as “verdades absolutas†e nos fala de “mundos paralelos†e da busca por conhecimento? Não se deveria incentivar as pessoas a se tornarem melhores, a buscarem a verdade? Pois eu acho isso positivo e necessário - ainda que para a Igreja seja melhor a ignorância das pessoas, talvez. O que eu percebi deste primeiro filme da trilogia, além destes elementos, é o mote de valorização da amizade e do gosto pela aventura, pela fantasia. Achei bacana as diversas raças e os diversos reis e súditos de cada reino lutando contra uma injustiça, lutando contra o mal que se pretendia fazer contra um grupo de crianças raptadas. Claro que nas entrelinhas o autor quis mostrar uma organização tentando tirar o “livre-arbítrio†das pessoas, querendo impedir que no futuro uma geração inteira de jovens quetionasse as “verdades absolutas†que se estava tentando impor. Mas estas verdades absolutas podem ser vistas tanto como obra da Igreja - ou de muitas igrejas e religiões - como de governos ou demais poderes estabelecidos. Ninguém prega aqui a anarquia, mas sim o poder das pessoas serem críticas e seu direito a buscar informação e as suas verdades. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)