Crítica sobre o filme "Onde os Fracos Não Têm Vez":

Eron Duarte Fagundes
Onde os Fracos Não Têm Vez Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 15/05/2008
O grande vencedor do Oscar(r) 2008. Não existe outro cartão de visitas melhor para Onde os Fracos Não Tem Vez. Ainda que se possa questionar os critérios da Academia, mas ninguém pode negar que ganhar as principais estatuetas da premiação de cinema mais conhecida no mundo é um belo argumento de marketing. E a verdade é que a produção mereceu ganhar os prêmios de melhor filme, direção, ator coadjuvante para Javier Bardem e roteiro adaptado. Além destes prêmios, Onde os Fracos Não Tem Vez se consagrou com outros 85! Nada mal para os irmãos Ethan e Joel Coen, sempre considerados um pouco “infant terriblesâ€, ou seja, um pouco “fora" dos padrões de Hollywood.

A verdade é que admito que filmes com bons e grandes vilões sempre me fascinaram. Desde Jack o Estripador até o imbatível Hannibal Lecter, passando por tantos outros… Também sempre me chama a atenção os filmes que os críticos começam a falar muito. E não porque os críticos estão sempre certos - aliás, muitas vezes, eles não estão. Mas porque acho interessante as produções que acabam virando “unanimidade†ou, se não, viram “assunto da vezâ€. Onde os Fracos Não Tem Vez virou “assunto do momento†muito antes de ganhar os prêmios citados. A verdade é que o trabalho dos irmãos Coen resulta em um grande filme, por seu cinismo e qualidades, além de ter um elenco afinadíssimo e um dos melhores vilões de todos os tempos (talvez até um concorrente de Hannibal Lecter).

Todos os comentários feitos para a interpretação de Javier Bardem foram merecidos. Realmente, o ator espanhol está fantástico no papel do vilão desta história. Sem parecer exagerada - e talvez esteja sendo, um pouco -, mas considero a interpretação dele e, mais, o seu personagem, quase tão bom quanto Hannibal Lecter (para mim o melhor vilão do cinema em todos os tempos). Claro que estou me referindo a vilões “possíveisâ€, ou seja, a pessoas que realmente poderiam (ou podem) existir.

Porque do contrário, entraria na lista Freddy Krueger ou Jason Voorhees. Mas me refiro a vilões de carne e osso, vilões que poderiam morar na casa ao lado. Hannibal Lecter sempre foi, para mim, imbatível. Especialmente pelo filme O Silêncio dos Inocentes (primoroso!). Mas esse Anton Chigurh intepretado por Javier Bardem está a altura do Hannibal de Anthony Hopkins. Ainda assim, acho que faltam os louros das interpretações de Josh Brolin e de Tommy Lee Jones. O primeiro, por sua obstinação em vencer a todos, inclusive ao homem que todos temem. E tudo por cobiça e/ou valentia. O segundo, pelo tom exato de “dever à Justiça†e de desconsolo. Tommy Lee Jones está simplesmente perfeito.

É verdade que alguns dos prêmios que o filme recebeu foi para todo o elenco. Achei justo. Assim como é justo o prêmio a Bardem. Mas voltando ao filme: Onde os Fracos Não Tem Vez realmente é muito bom. Para mim, reúne as melhores características dos irmãos Coen: roteiro inteligente, frases impagáveis, direção cuidadosa e atenta aos detalhes e às interpretações. Enfim, elementos do bom e velho cinema bem-feito. Exemplo de pontos altos do filme: o diálogo entre Anton Chigurh e o proprietário do posto de gasolina (Gene Jones) no meio do nada. Para um homem que matar é algo tão natural e fácil quando caminhar, algumas vezes a decisão sobre tirar uma vida tem que passar por algum crivo, nem que seja uma moeda. hehehehehe. Maravilhoso! Uma grande qualidade do filme é que os irmãos Coen não aliviam - como quase sempre na sua filmografia. Assim sendo, não adianta ter grandes esperanças… o filme trata de uma caçada humana e, como na Natureza, vence o animal mais forte, mais preparado. Como qualquer história bem escrita, aqui também o espectador fica na dúvida para quem torcer. Afinal, não entra na balança os elementos que movem um ou outro personagem, mas o seu carisma e a sua estratégia de sobrevivência. No fundo, por mais que tenhamos uma idéia de “torcer pelo mais fracoâ€, muitas vezes aplaudimos justamente quando o forte ganha. Talvez efeito da nossa permanente luta interna entre nosso lado primitivo e nosso lado racional, com critérios e ajustes sociais.

Onde os Fracos Não Tem Vez trata disso e de muito mais. Alguns podem ver no filme apenas um “thriller de açãoâ€, uma caçada humana. Mas ali também se vê, a todo momento, as idéias da cobiça, da busca pela liberdade, da luta pela sobrevivência, da vingança, enfim, de muitas leituras possíveis sobre o tema. Mas para os que não gostam de ver “sentidos escondidos†nas histórias, o filme ainda é o que deveria ser: um trabalho muito competente de profissionais do cinema.

Além dos quatro Oscar(r) citados, o filme ganhou o prêmio de melhor do ano no National Board of Review (dos críticos de cinema norte-americanos), além de ter levado os prêmios de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Elenco. Outros prêmios: Melhor Filme do Ano pelo New York Film Critics Circle (Círculo de Críticos de Cinema de Nova York), pelo Boston Film Critics (associação dos Críticos de Cinema de Boston), pelo Washington DC Film Critics (pela associação de Críticos de Cinema de Washington) e pelo Chicago Film Critics (associação de Críticos de Cinema de Chicago). Ou seja: levou o prêmio de melhor filme do ano por quatro das principais associações de críticos dos Estados Unidos. Eles realmente amaram o filme.

O filme ganhou também vários outros prêmios importantes, como de melhor roteiro para os irmãos Coen da New York Film Critics Circle e da Chicago Film Critics; melhor ator coadjuvante para Javier Bardem pelas associações de Nova York, Boston, Washington e Chicago, pela New York Film Critics Online e pela Gotham Awards (prêmio de cinema da cidade de Gotham); melhor direção para os irmãos Coen pela associação de críticos de Nova York, de Washington e de Chicago, além do San Francisco Film Critics Circle (Círculo de Críticos de Cinema de São Francisco); além de outros prêmios.

Interessante comentar que Onde os Fracos Não Tem Vez é fruto de uma adaptação. Ele é baseado no livro do escritor premiado com o Pulitzer Cormac McCarthy. A obra dele, que retrata as mudanças “no estilo de vida†do Oeste Norte-Americano, foi publicada em 2003. O filme trata destas mudanças, ainda que a crítica e a ironia sobre o antigo modo de vida do Oeste fiquem um pouco eclipsados pela caçada humana dos personagens principais. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)

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Depois de alguns impasses em sua filmografia representados por filmes mais digeríveis nas bilheterias como O amor custa caro (2003), um melodrama de suspense elegante vivido pelos rostos amáveis de George Clooney e Catherine Zeta-Jones, e Matadores de velhinhas (2004), uma anedota simplória interpretada com virtuosismo por Tom Hanks, os irmãos cineastas norte-americanos Joel e Ethan Coen voltam à forma de um cinema cru e sem concessões em Onde os fracos não têm vez (No country for old men; 2007). Uma linguagem cinematográfica inóspita e cerebralmente brutal dá a dimensão ousada da narrativa dos Coen; com um roteiro preciso e celeremente marcado extraído do romance do norte-americano Cormack McCarthy, os realizadores constroem o que se poderia chamar um neofaroeste-limite, pós-moderno, retirado das tradições mas sem o chão destas tradições, identificamos os elementos do gênero (os cenários desolados, os grandes planos abertos, o xerife, um inusitado mocinho, um malvado para além de tudo) mas não procedemos às ligações entre estes elementos. É como se os Coen bebessem na água de Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia (1974), mas contaminassem esta água para que ela não pudesse espelhar nada. Um pouco da estranheza de Onde os fracos não têm vez nasce do mesmo sentimento rural de Peckinpah: os limites geográficos duma produção de cinema entre o Texas e o México, onde os anglo-saxões topam com a latinidade, espelhada na música que alguns cantadores mexicanos entoam diante do ator Josh Brolin cuja personagem, ferida, acaba de acordar atirado numa praça esquisita pós-fronteira.

Sempre se fez uma oposição rudimentar entre o cinema de ação (o policial, o faroeste) e uma narrativa lenta, pensada; entre um Francis Ford Coppola e um Michelangelo Antonioni. Onde os fracos não têm vez interfere nesta marcação arbitrária. Charles Bronson zombou certa vez do cineasta Ingmar Bergman porque este lhe disse que não sabia filmar tiros. Não zombaria dos Coen: o matador vivido pelo espanhol Javier Bardem em esquisita caracterização (seu cabelo é um verdadeiro cenário maquiando sua passagem pelo filme) e o homem que ele persegue, na pele de Josh Brolin, atiram para valer e os Coen sabem como filmar seus tiros. Um filme de ação este intoxicado faroeste adiante de tudo? Tem ação, é certo; mas aos poucos vemos que estas ações se esvaziam, porque é como se não acontecesse nada e os planos lentos fossem acompanhando os gestos quase gratuitos das personagens; estamos à distância do clima mais fácil e anedotário de Matadores de velhinhas, onde o humor dissolve a perversidade da criatura de Tom Hanks; em Onde os fracos não têm vez o humor (extremamente perverso) exaspera a crua malvadeza do matador de Bardem. Há uma exasperação de filmar que nenhum filme de ação poderia ter; mesmo sanguinário e mau, o novo trabalho dos Coen vai extirpando a paciência do espectador hollywoodiano. Os diálogos, especialmente os do matador com suas vítimas, são elípticos, perturbadores; assim como elípticas são certas seqüências, como a do encontro do matador com a jovem esposa de seu perseguido; teria o maior dos facínoras matado ou poupado a doce e ingênua personagem? São elipses que desmancham inapelavelmente o bem-estar do observador tradicional dentro deste filme.

Talvez seja este o mais virulento e desorientador filme dos Coen. O público não tem muito a que se agarrar; instabiliza-se, muitos não vão suportar bem o filme. A tensão plástica da fotografia de Onde os fracos não têm vez criam sua atmosfera única. Interpretado com afinadas tabelinhas por todo o elenco, o filme traz de lambuja a sempre serena presença cênica de Tommy Lee Jones como o xerife que vai interceptando os cenários antes preenchidos sangrentamente pelo perseguidor e pelo perseguido. É uma fala de Lee Jones que vai fechar abruptamente o filme, como  ocorria nas películas de antigamente, de fim abrupto; e sua personagem está contando à outra um sonho esquisito em que está com seu pai mas o pai é vinte anos mais moço que o filho. (Eron Fagundes)