Crítica sobre o filme "Gângster, O":

Wally Soares
Gângster, O Por Wally Soares
| Data: 13/06/2008
O que mais me impressionou neste novo trabalho de Ridley Scott, um ambicioso diretor, não foi nem o elenco soberbo ou a parte técnica sensacional – apesar destes elementos ajudarem muito – mas a forma como abordou de uma forma única e convincente o sonho americano visto pelos dois lados da moeda. As figuras extremamente interessantes e bem desenvolvidas de Frank e Richie são peças para a história que Scott quer realmente contar, que é a decandencia de Nova York para as drogas, a ascenção de um novo típo de poder e o antagonismo desconhecido entre duas pessoas diferentes mas iquais, cujos destinos se entrelaçam curiosamente. O Gângster é um conto sobre pessoas em conflito em busca de uma vida mais exemplar, abordando todos os fatores sociais que cercam essas pessoas e esses conflitos.

Arquitetado de forma bem habilidosa por Scott, é um filme que fascina por não recorrer ao superficialismo ou para respostas fáceis (tirando seu desfecho, claro). Scott e o roteirista Steven Zaillian capturam magnificamente a ascensão de Frank Lucas ao poder e investiga bem afundo os demônios do personagem. A primeiro cena do filme o mostra assassinando um cara à sangue frio. E é essa figurinha pela qual aprendemos a observar e apreciar no decorrer do filme. Um homem impiedoso que irá a qualquer custo para garantir o seu sonho e de sua família. É uma figura que também aprendemos á odiar. E é assim que começo a valorizar o roteiro, que cria um personagem cativante, vulnerável e que instiga o ódio nas pessoas por seus atos e a consequência destes. Em uma cena genial, Scott mostra a situação do submundo das drogas, aquele onde as pessoas se drogam até a morte. É uma cena eficiente por tratar com dignidade o horror da situação e por demonstrar, admiravelmente, em que resultaram os sonhos de Lucas.

Do outro lado da moeda, Richie Roberts, um policial honesto no meio dos podres. Acha uma mochila cheia de dinheiro e a entrega. Com isso, é zoado pela maioria. Richie tem seu sonho. Quer seu filho, primeiramente, e não quer que sua mulher o abandone. Mas Richie também não quer deixar de trabalhar e fazer com que outros sonhos não sejam danificados, ele quer tirar as sujeiras da rua. É aí que ele se difere de Frank, pois enquanto o gângster se revela extremamente egoísta, Richie é o contrário. É um cara que se importa. E essa sua dedicação é o que fará ele se aproximar de Frank. Aos poucos vamos seguindo o trajeto de ambos personagens, uma jornada abordada sem pressa e sempre focando o desenvolvimento dos personagem à trama. Os atores ajudam muito nesse sentido. Denzel Washington tem recebido toda a glória e diria que merece. É um grande ator que até hoje não teve uma atuação ruim. Retrata Frank exatamente como deveria, lembrando o que Forest Whitaker fez em O Último Rei da Escócia, um personagem magnético, charmoso, mas impiedoso e assassino. Méritos para ele. Mas Russell Crowe o consegue superar em consistência. Crowe está fantástico e retrata o típico policial honesto em decadência, levantando questionamentos sobre o valor de ser herói e se realmente vale a pena, o deixa muito mais interessante do que o roteiro consegue. Além deles, outros bons e válidos nomes. Apesar de ser bom ver Cuba Gooding Jr. longe de mediocridades, ele não está exatamente bem, diria até canastrão, mas em compensação no pouco que aparece Ruby Dee deixa uma boa e válida impressão. Nada, porém, digno de Oscar ®.

Se enfraquecendo somente – e complementarmente – em seu ato final, momento onde muda a imagem de Frank Lucas sem muito desenvolvimento ou autenticidade, o filme te deixa com uma impressão errada ao fim da sessão. Porém, tudo que acontece até ali é merecido de aplausos. O trabalho de direção de Scott é intenso e valioso, fazendo um par digno com o roteiro elaborado e denso de Steven Zaillian. É impossível, com isso, não lamentar ainda mais o rumo que o filme toma mais para frente, pois ele poderia ter sido maravilhoso, mesmo retratando uma trama um pouco datada, a força do filme vai além disso. Está em seus personagens, nas suas cruezas e em como fizeram uma certa diferença no quadro social americano. Nesse sentido, os cineastas se saem excepcional bem. Ainda destaco a montagem e a construção de época digna e altamente convincente. Scott consegue ultrapassar a barreira do longa soar datado colocando a audiência bem no meio tornado. Foi um desastre, digamos, altamente empolgante, estilizado e sim, muito cool. (Wally Soares – confira o site Cine Vita)

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A civilização americana nasce essencialmente da violência das sociedades que se agrupam para formá-la? Este núcleo circular de violência gera os mecanismos sociais e cinematográficos de O gângster (American gangster; 2007), o mais recente filme americano dirigido pelo inglês Ridley Scott e que vem excitando as paixões dos que cultuam um espetáculo de ação que não se esquece de apontar para uma certa visão crítica do mundo. Desde Os duelistas (1977), sua verdadeira obra-prima e que resiste incorruptível ao passar das décadas, Scott vem perdendo ano a ano seu preciosismo britânico para edulcorar seu estilo de filmar; o melodrama Um bom ano (2006) foi a constrangedora autopasteurização de Ridley, que todavia é sempre mais conseqüente que seu mano, Tony; em O gângster o realizador parece assumir inteiramente uma persona americana, rodando um filme de gênero, mas sua capacidade de filmar em larga escala as ações fílmicas não abastardam —felizmente— sua natureza de cineasta.

O gângster é antes de tudo um espetáculo bom de ver, que desce prazerosamente goela abaixo do espectador. No centro da trama um mafioso negro amoral que fez fama no tráfico de drogas nos anos 70 e um policial branco que é o único agente da lei que não se deixa corromper pelas finanças e pela depravação do universo que deve enfrentar; no dueto interpretativo, Denzel Washington parece mais solto do que nunca, mas a face dura e sem nuanças de Russel Crowe exige da direção de Scott artifícios para não deixar transparecer o artificialismo da oposição entre os intérpretes, o que prejudicaria o confronto ideológico proposto.

As lutas interpretativas e humanas que envolvem as personagens não ocultam alguma ingenuidade como se toda esta parafernália da violência fosse vivida como um brinquedo de crianças. Scott tem em suas cenas de ação uma contenção clássica que já foi desbaratada pelo sarcasmo de um cineasta como Quentin Tarantino. Mas O gângster tem anotações históricas preciosas; se está longe da acuidade de Martin Scorsese em Gangues de Nova York (2002) ao esboçar as origens da sociedade estadunidense na violência, enxerta com muita classe as ligações entre mercado de drogas, a guerra do Vietnã (aparece até a figura emblemática daqueles anos, o presidente Nixon falando pela televisão —ícone visual de então, Nixon na televisão) e as perturbações mais cruéis e miseráveis daquela juventude.

Talvez se possa facilmente desmontar tudo aquilo que possivelmente O gângster tenta dizer-nos. Mas não há como evitar o fascínio que este estilo muito americano que o inglês Scott foi aprendendo exerce sobre o observador. Ainda que em O gângster a contundência de filmar não seja pasteurizada.

P.S.: Sem embargo de todos os abismos humanos e estéticos que separam os dois filmes, não me furto a ver certas semelhanças entre o que faz Scott neste seu filme e aquilo que o greco-francês Constantin Costa-Gavras realizou em seu clássico Z, inclusive na forma como no final os letreiros completam uma história que visualmente terminara de outra forma. Em Z os letreiros revelam que o juiz que mandara prender os militares fora depois destituído e os ditadores voltaram a mandar. Em O gângster os letreiros revelam a posterior associação entre os dois ex-adversários, com o policial transformando-se em advogado de defesa do traficante. (Eron Fagundes)