Crítica sobre o filme "Intrigas de Estado":

Wally Soares
Intrigas de Estado Por Wally Soares
| Data: 02/10/2009
Intrigas de Estado é um drama sóbrio e incisivo que, ao abordar o mundo contemporâneo em que vivemos, esmiúça a elementar ética da sociedade, ao revelar uma realidade não fundida em códigos éticos, mas direcionada pela moralidade flexível dos seres que a habitam. Não é preciso muita imaginação para enxergar, dia após dia, manchete atrás de manchete, um claro desequilíbrio na forma como a sociedade atual funciona. Escrito com brilhantismo e densamente evocativo de particularidades humanas, Intrigas de Estado chega para trazer luz aos questionamentos básicos que "deveriam" fazer parte da sociedade. Todos sabem sobre a corrupção no senado, a falta de direcionamento ético do governo e dos podres que consequentemente habitam os bastidores dos líderes do mundo. Mas falta o discernimento correto que nos faça não só ver o literal, mas realmente enxergar a verdade. Aquela verdade que funde-se ao dia a dia do cidadão e é feita vítima pela capacidade do ser humano em se adequar à fundamentos. Mas em um mundo onde códigos éticos são fuzilados, fundamentos simplesmente cessam em existir.

A trama do filme parte de duas mortes. Um ladrão assassinado em um beco e uma assistente de congressista atropelada por um trem. Os dois eventos seriam casos isolados, mas logo são fundidos ao passo que o jornalista Cal McAffrey (Russell Crowe) começa a investigar os dois incidentes, sempre direcionado pela ambição de poder realizar uma grande matéria. Mas o caso se complica quando seu velho amigo Stephen Hopkins (Ben Affleck) entra no jogo. Congressista cuja assistente foi morta, Stephen estava tendo um caso com a moça, e logo seu escândalo se torna destaque das manchetes. McAffrey então começa, com a ajuda da jornalista novata Della Frye (Rachel McAdams), a entrar em território perigoso na sua investigação, colocando em cheque tanto sua moralidade quanto sua própria vida.

Intrigas de Estado é baseado em uma mini-série britânica da BBC, e sua estrutura claramente evoca uma trama rica em detalhes que poderia muito bem ser explorada por inúmeras horas. Um ponto a mais para os roteiristas Matthew Michael Carnahan, Billy Ray e Tony Gilroy (sempre ele), que construíram um script ágil e focado que explora seus personagens com clareza, a trama com inteligência e as revira-voltas com uma autenticidade essencial. Os roteiristas não são novos para este tipo de obra. Enquanto Carnahan assinou dois roteiros mais fracos (mas interessantes) sobre temas ligados à política e os bastidores da guerra no Iraque chamados Leões e Cordeiros e O Reino, Billy Ray vem do ótimo Quebra de Confiança, que denota estilo e tom semelhantes. Mas é Gilroy quem merece o respeito. Desde a série Bourne até sua revelação definitiva no brilhante Conduta de Risco, filme sobre o corrompido mundo corporativo, eis aí um homem que quer, a todo custo, não só enxergar a verdade, mas fazer o mundo vê-la com seus olhos. E, novamente com Intrigas de Estado, ele almeja evocar tanto a admiração por um trabalho bem feito, quanto a satisfação por uma história tão genialmente trabalhada em suas implicações sócio-políticas ácidas e relevantes. O trabalho aqui realizado é dos mais urgentes.

Intrigas de Estado é muito sobre o ser humano perdido em sua moralidade dentro de uma realidade devorada pelo cinismo. E este retrato poderoso da obra muitas vezes dá lugar ao foco jornalístico. O diretor Kevin Macdonald (do ótimo O Último Rei da Escócia), não deixa de trabalhar as implicações psicológicas de sua obra, mas nunca perde o olhar jornalístico, e o filme é uma visão arrojada sobre uma realidade em que o jornalismo clássico, de matérias impressas, frescas e prontas para serem devoradas pela manhã, fiquem em segundo plano diante do avanço tecnológico e cultural. Blogs então entram na moda com vocabulário frívolo e resumos modestos. O fim do filme é uma deliciosa atribuição ao verdadeiro jornalismo, e o valor que este tem para aqueles que são apaixonados pelo o que tem a oferecer. Então, assistir à investigação árdua e emocionalmente devastadora do personagem principal ganha outro significado ao vermos naquele homem alguém que, no limite de sua própria moralidade, é apaixonado pelo o que faz. E são nestas ricas nuances que o thriller se transforma em um drama realmente introspectivo. O convencionalismo é elemento comum na obra, mas a inteligência com a qual os roteiristas abordam o usual fica em primeiro plano.

Apesar de seus valores cinematográficos irrepreensíveis, nada seria de Intrigas de Estado sem seu elenco impressionante. De participações pequenas mas geniais como as de Robin Wright Penn, Helen Mirren e Jason Bateman, até os papéis mais fortes e substanciais de Rachel McAdams, Ben Affleck e, principalmente, Russell Crowe, o elenco surge em completa sincronia e com muito a oferecer. São um aspecto da obra que unem-se à bela fotografia e à montagem importante para se tornar um dos pilares que mantém o filme vivo e fresco. Então mesmo quando o longa perde o fôlego ou bate de frente com elementos previsíveis, sempre há algo vibrando e reverberando com mais força. Na maior parte das vezes, os diálogos extraordinários comandam. Sempre realistas, fortes e ácidos, demarcam à obra a veracidade precisa para fazer com que a audiência saia da sessão realmente impressionada. E, assim, o filme não poderá ser tão levianamente esquecido. O que sobrevive, ao final, é o sentimento incontestável de uma história bem contada.