Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/06/2008
William Dieterle é um diretor alemão que fez carreira no cinema americano; chegou a iniciar sua carreira cinematográfica, especialmente como ator, ainda na Alemanha, (esteve no elenco de Fausto, 1926, de F. W. Murnau), mas na década de 30 do século passado emigrou para Hollywood. Seu nome hoje é pouco referido e sua influência sobre a história e o pensamento cinematográficos se dilui bastante; mas a oportunidade de conhecer, no lançamento em dvd da Versátil, seu belo O retrato de Jennie; 1946) talvez dê a azo para uma reavaliação de sua obra.
Produzido por David Selznick e em determinada época amado pelos surrealistas, O retrato de Jennie tem uma palidez mórbida em sua encenação que amiúde encanta o observador. De uma certa maneira, pode-se dizer que o produtor Selznick buscava recapturar o romantismo fácil de seu maior sucesso, ...E o vento levou (1939), de Victor Fleming; felizmente fracassa nestas intenções, pois a direção de Dieterle imprime uma atmosfera mais densa e perturbadora que o linear sentimentalismo desfocado do filme de Fleming. Obra certamente autoral, O retrato de Jennie é uma reflexão sentimental que contém várias metáforas: a metáfora de um amor fora do tempo e da morte entre um homem e uma mulher; a metáfora do artista obcecado que acumula fracassos e vai em busca de sua obra-prima; e a metáfora, muito à maneira do inglês Oscar Wilde, das relações entre o artista e seu modelo real.
Na verdade, O retrato de Jennie começa mal sua narrativa. Pode-se dizer que as citações do grego EurÃpides e do inglês John Keats no inÃcio do filme são deslocadas, pretensiosas e constrangedoramente pomposas; estas alusões literárias vão marcar os primeiros passos das imagens, determinando umas caracterÃsticas envelhecidas, arcaizantes, anacrônicas do próprio modelo fÃlmico. Mas logo Dieterle supera estes gaguejares narrativos iniciais e vai conquistando o espectador pelo hábil entrelaçamento entre o onÃrico e o real na relação entre um pintor fracassado e uma garota morta já há alguns anos e que ele tem por figura contemporânea e que lhe servirá de modelo de seu quadro de sucesso.
Querendo ser um novo ...E o vento levou, o filme de Dieterle se aproxima bem mais de O morro dos ventos uivantes (1939), que William Wyler extraiu da ficção da inglesa Emily Bronte; como Wyler, Dieterle joga com o contraponto entre o estado fervente da alma das personagens e a natureza transbordante (os ventos em Wyler, o temporal que acolhe atemporalmente os protagonistas quase ao final de O retrato de Jennie).
As notas dolentemente merencórias do filme de Dieterle são dadas pelas caracterÃsticas da personagem central, a doce e distante Jeannie. Sua intérprete, Jennifer Jones, corresponde a esta notação musical da narrativa. Joseph Cotten como seu apaixonado pintor Eben Adams faz magnificamente o homem-artista dentro do homem-paixão. E observe-se ainda, para além da fotografia esfumaçada, de sonho, que as partituras de palidez impressionista do francês Claude Debussy são usadas para ecoar nos desenhos das criaturas tão estranhas quanto desorientadoras de O retrato de Jennie. (Eron Fagundes)