Crítica sobre o filme "Família Savage, A":

Edinho Pasquale
Família Savage, A Por Edinho Pasquale
| Data: 19/06/2008
As pessoas sofrem e tem problemas, mas muitas vezes não se dão conta disso. Até que algo realmente forte acontece em suas vidas para dar uma “chacoalhada†geral no que parecia até então ser um quadro estável e controlado. A Família Savage é um filme que eu tinha curiosidade de ver há algum tempo porque ele foi aparecendo, aqui e ali, como indicado a vários prêmios. Nunca como melhor filme, mas sempre em categorias de roteiro e de interpretações de seus atores principais. E realmente o trio principal de atores, em especial Laura Linney - para mim na melhor interpretação de sua carreira - e Philip Seymour Hoffman, estão desconcertantes. Um filme sobre família, sentimentos mal resolvidos e a confrontação de um estado na velhice que infelizmente pode acometer a qualquer pessoa - inclusive aquelas que mais amamos.

Lidar com a fragilidade humana não é algo fácil. Verdade que todos sabemos que um dia vamos morrer, mas assistir ao deterioro de nossas capacidades é algo duro, triste. Quando acontece conosco, talvez não seja tão complicado, porque aprendemos a lidar com a dor e com os demais problemas que surgem na vida como mecanismo de sobrevivência mesmo. Mas tudo piora quando isso ocorre com alguém que amamos, especialmente se tratando de pai ou mãe. O interessante deste filme, contudo, é que ele não suaviza em aspecto algum. Afinal, ele não tenta contar uma “historinha da carrochinha†ao enfeitar o que acontece com a família dos Savage. Não. A diretora e roteirista Tamara Jenkins deixa claro, desde o início, que aquelas três pessoas envolvidas com o mesmo sobrenome não tem, na verdade, muita intimidade. Elas carregam o mesmo sangue e um laço familiar impossível de negar, mas também levam muita incompreensão, abandono e desconhecimento de uns com os outros. Ainda assim, a doença do pai de Wendy e Jon acaba aproximando-os de uma maneira tocante e forte - a ponto de confrontar os irmãos com a vida que estão levando e de fazer com que eles reajam a tudo que lhes deixa infelizes. A verdade é que perdas importantes ou a exposição um tanto prolongada a fragilidade humana faz qualquer pessoa pensar sobre as decisões que anda tomando e sobre o rumo que vem dando para a sua vida.

O roteiro tem algumas linhas realmente preciosas. Ele não alivia, como eu disse antes, mas não chega a ser cruel. Na verdade, é mais realista do que muita gente gostaria de admitir. Uma das primeiras grandes falas do filme é quando Jon diz a sua irmã que a conversa que eles estão tendo de sua vida pessoal não é “uma terapia, mas é a vida realâ€. Demais! Sempre me pareceu hipócrita os familiares que crêem que sabem muito da sua vida e que podem dar opinião sobre você, sendo que na verdade eles nem lhe conhece ou sabe de verdade o que você pensa ou sente. Claro que Jon está tendo uma postura de auto-defesa e quer afastar a irmã que pode colocar o dedo justamente em sua ferida - a partida de Kasia (Cara Seymour), sua namorada de alguns anos, de volta para a Polônia. Sempre fui da opinião que é importante, algumas vezes, alguém fazer esse papel, mas que normalmente as pessoas que tentam fazer isso não passam muitas vezes de serem apenas franco-atiradores, sem conhecimento de causa. Não é o caso de Wendy, claro - mas isso ela mesma precisa descobrir sozinha depois. Além de uma grande e contundente radiografia das relações entre pessoas de uma mesma família, uns “estranhos†que compartilharam de uma mesma realidade por algum tempo; assim como de uma reflexão sobre a fragilidade humana, A Família Savage trata da redenção que todos nós somos capazes de fazer com o nosso passado e com tudo aquilo que nos ajudou a formar e que nos faz mal. Sempre me interessei muito pelo tema de “o que faz você ser o que você éâ€, ou seja, o quanto de você depende da sua criação familiar, de seu entorno de amigos, de sua educação, de seu “meio†(país e cultura onde nasceu), de seus hábitos, do que aconteceu com você na vida e de como você reagiu a isso - seu próprio aprendizado. E quanto mais eu penso a respeito, mais eu tenho certeza que muito depende do que ocorreu na fase da sua criação familiar, de como seus pais lhe trataram e educaram.

Neste ponto A Família SavageVtambém entra fundo nas “marcas†que uma pessoa pode levar para a vida toda daquela fase “familiarâ€. E o filme mostra, de uma maneira bem interessante, de como muitas pessoas não se dão conta de que muitos de seus problemas vêem de muito longe, quase do “berçoâ€â€¦ na verdade, acredito que tem pessoas que vão morrer sem descobrir isso. Mas o importante é que nossos personagens conseguem a sua redenção e conseguem, a sua maneira, sobreviver aos cortes e feridas ainda não bem cicatrizadas e saem para fora para respirar o ar puro das novas oportunidades. A vida sempre é feita de escolhas, e sempre há o caminho de quem quer dar certo e daquele que vai passar o resto dos seus dias reclamando.

Como comentei antes, Laura Linney, para mim, apresenta aqui a grande interpretação da sua carreira. Ela realmente mereceu ser indicada para o Oscar como atriz coadjuvante - e, na verdade, acho que ela deveria ter ganho no lugar de Tilda Swinton. Philip Seymour Hoffman está mais uma vez ótimo - aliás, esse ator é incrivelmente regular em seus papéis, nunca o vejo “mal†em algum filme. Aos 77 anos de idade, Philip Bosco tem uma interpretação muito sensível e impressionantemente equilibrada como o patriarca dos Savage. Além deles, vale citar o trabalho de Peter Friedman como Larry, o vizinho casado de Wendy que mantêm um caso com ela; e Gbenga Akinnagbe como Jimmy, um dos enfermeiros que passa a cuidar de Lenny no asilo em que ele acaba ficando depois da morte da sua namorada.

Antes de A Família Savage, a diretora Tamara Jenkins havia dirigido três curtas-metragens e um longa, este último chamado Slums of Beverly Hills, de 1998, com Natasha Lyonne, Alan Arkin e Marisa Tomei.

O filme foi indicado a um total de 20 prêmios, incluindo as indicações ao Oscar por roteiro e atriz coadjuvante, e ganhou seis deles, com destaque para o prêmio de melhor roteiro conferido pelo Círculo de Críticos de Cinema de San Francisco, pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles e do prêmio da Sociedade Nacional de Críticos de Cinema dos Estados Unidos; além de prêmios para o ator Philip Seymour Hoffman conferidos pela Associação de Críticos de Cinema de Ohio Central e no Independent Spirit Award.

Na parte técnica, merece destaque o trabalho do diretor de fotografia W. Mott Hupfel III e do compositor Stephen Trask pela trilha sonora do filme - só fui descobrir depois que ele também assina a trilha de Feast of Love, outro trabalho interessante dele e um filme bem gostoso. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)