Crítica sobre o filme "Clube de Leitura de Jane Austen, O":

Edinho Pasquale
Clube de Leitura de Jane Austen, O Por Edinho Pasquale
| Data: 10/07/2008
Um filme romântico que busca fugir daquela fórmula padrão que todos conhecemos. Por esse fator, O Clube de Leitura de Jane Austen merece atenção. O problema, contudo, é se ele consegue fugir realmente dos “lugares-comum†ou não. Até um certo ponto sim, ao tentar - e apenas tentar - introduzir um pouco de conteúdo na história. Afinal, em teoria, o filme (também) debate a obra da escritora inglesa Jane Austen. O problema é que, fora um ou outro acerto na discussão de uma autora aclamada, o filme realmente cai nos estereótipos, em vários lugares-comum e, no fim das contas, enreda o espectador no velho jogo de “torcer pelo romanceâ€. Sem contar que, ainda que o filme tente ser “cuca abertaâ€, incluindo entre os personagens principais uma lésbica e uma mulher que se casou várias vezes - duas figuras que sofrem um bocado de preconceitos no “mundo real†-, no fim das contas o filme acaba sendo bem tradicional. Quem sabe, até para acompanhar (ou seria “homenagearâ€) a veia tradicionalista da escritora que inspirou o tal clube de leitura.

O filme começa morno, meio “infantil†quase. Afinal, alguns dos nossos personagens principais se encontram para o enterro de um cachorro! Bem, depois desta sequência “cômica†(na verdade não vi muita graça na “piadaâ€), começam a pulular as “bombas†da história. Primeiro o comunicado de Daniel para a mulher de que ele está tendo um caso e que vai se separar dela para ficar com a amante. Deprimida, Sylvia é consolada pelas amigas e pela filha, Allegra, que volta temporariamente a viver com a mãe. Enquanto isso, em uma fila de cinema, Bernadette encontra a Prudie, uma mulher que parece ser, ao mesmo tempo, bem contida e bem descontrolada - pasional equilibrada, se é que isso existe. Impressionada com a “cultura†de Prudie, ela vê na mulher recém “descoberta†uma possível integrante do clube de leitura que ela e as amigas querem montar.

Pouco depois, também por “acidenteâ€, Jocelyn encontra, em um hotel em que vai se hospedar para um congresso canino, ao insistente e curioso Grigg. Ele fica fascinado por ela e insiste em conhecê-la. Jocelyn, uma “solteira convictaâ€, vê nele um possível atrativo para sua amiga de infância Sylvia - quem sabe ela não consegue repetir a dose praticada com Daniel e apresentar para a amiga um novo amor? Esse é o começo do filme, mas muita água vai rolar em paralelo a tudo isso.

Algo positivo da história é que, apesar dela ser focada em um número considerável de personagens principais, todos eles acabam sendo bem apresentados e conhecidos. Neste ponto o roteiro de Robin Swicord (de Memórias de uma Geisha), baseado no livro de Karen Joy Fowler, funciona. Por outro lado, tais personagens são um bocado estereotipados demais. Vejamos: Jocelyn é uma mulher que busca o romance ao mesmo tempo em que foge dele - afinal, ela considera mais seguro se relacionar com cachorros, de quem ela pode prever reações, do que com homens. Prudie é uma “intelectual†que sofre por estar casada com um homem com pouca cultura, Dean (Marc Blucas), o típico “jogador de futebol americanoâ€; que tem uma relação mal resolvida com a mãe (Lynn Redgrave) e que acaba se interessando pelo “mistério, fascínio e cultura†do jovem estudante Trey (Kevin Zegers). Bernadette é uma mulher que se casou seis vezes e que acha o amor - ou seu plural - fundamental. Sylvia é uma mulher que sempre se dedicou ao marido e a filha e que vê a sua vida desmoronar rapidamente quando seu “mundo ideal†cai por terra. Allegra é uma jovem que sempre gostou de aventuras e que buscou sempre a aprovação dos pais. Grigg é um jovem que vive “à sua maneiraâ€, adepto das coisas simples e das relações francas.

Alguém pode dizer: “Mas onde estão os estereótipos? Afinal, existem pessoas assim de verdade…â€. Ok, claro que existem. Mas ninguém é “apenas†isso, não é mesmo? As pessoas - a maioria, pelo menos - é mais complexa. E um filme que resolve destacar tantas pessoas acaba, claro, simplificando-as muito. Esse é um problema de O Clube de Leitura de Jane Austen… simplificar as pessoas, suas relações e, de quebra, a obra de Jane Austen. Sim, porque no final das contas, todas as reuniões para debater a sua obra acabam girando sempre nos mesmos eixos: Jane Austen era uma escritora tradicionalista que jogava muito com os conflitos amorosos, encontros e desencontros e que, normalmente, caia no amor rigoroso que ela mesma não conseguiu vivenciar… hummmmm, digamos que é uma maneira de olhar. Mas não é a única. Acho que Jane Austen é mais que isso, mas enfim…

Para um fime que se propõe a discutir literatura, houve pouca dialética. Pouca diversidade de idéias e, no fim das contas, uma jogada de “adaptar†para a vida real situações da obra de Jane Austen que já vimos antes (mas de forma mais original). Resumindo: o filme tem boas intenções, mas acaba sendo fraquinho.

A direção da também roteirista Robin Swicord está ok, ainda que seja bem tradicional e não ouse nada na linguagem cinematográfica - nem em planos, nem em nada.

De todas as interpretações, gostei em especial de Maria Bello e de Maggie Grace. É a primeira vez, que me lembro, de ver o ator Jimmy Smits em um papel romântico… estou acostumada a vê-lo normalmente como mal, bandido ou algo assim. Bacana vê-lo como um marido apaixonado que se surpreende perdido lá pelas tantas. Gostei dele também. Ainda que destaque essas figuras, para mim a revelação foi mesmo Hugh Dancy, que deu o tom exato para um personagem que podia parecer ridículo ou cômico demais. Depois de algum tempo é que foi cair a minha ficha de que ele é um dos atores principais de um filme que gostei muinto: Evening.

Uma curiosidade: o filme foi indicado a um único prêmio até agora. Para o de melhor filme no GLAAD Media Awards, um prêmio criado para difundir boas iniciativas na mídia em geral - TV, cinema, etc. - no trabalho de combate contra a hemofobia. Um prêmio GLS. Interessante porque, ainda que a personagem de Allegra seja vista naturalmente na história, inclusive quando se relaciona com Corinne (Parisa Fitz-Henley), achei que as entrelinhas do roteiro colocam dúvidas sobre a sua “atitude†em ser lésbica, deixando solto um perigoso fio que leva para a idéia de que ela talvez tenha “feito essa escolha para chamar atençãoâ€. Ela poderia ser uma personagem natural sem ter nenhuma entrelinha que insinuasse nada, não?

E algo que ia esquecendo de comentar… o filme acaba lembrando, inevitavelmente, a Magnólia, do Paul Thomas Anderson. Nem tanto pela história ou porque ele seja tão bom quanto aquele outro, mas por dois elementos: primeiro, pela música de Aimee Mann - fazia tempo que não ouvia a sua voz em um filme; e segundo porque ele tem, umas duas ou três vezes, aquela “seqüência de repasse†na vida dos personagens em, teoricamente, momentos decisivos. Recurso esse usado em Magnólia e em outras histórias mas que, aqui, não tem o mesmo efeito - até porque o repasse esse não é tão determinante. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)