Crítica sobre o filme "Amor nos Tempos do Cólera, O":

Eron Duarte Fagundes
Amor nos Tempos do Cólera, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 12/07/2008
Ao diretor neozelandês Mike Newel, ao adaptar para a tela o romance O amor nos tempos do cólera (Love in the time of cholera; romance de 1985, filme de 2007), interessam as superfícies melodramáticas das tramas que o ficcionista colombiano Gabriel García Márquez espalha latinamente por seus livros. A atitude do cineasta Newel para com o universo literário de Márquez se opõe àquela de que se valeu o realizador brasileiro-moçambicano Ruy Guerra para rodar seu O veneno da madrugada (romance de 1962, filme de 2005); enquanto Ruy penetrava nas estranhezas narrativas do escritor para edificar uma linguagem inquieta, inventiva, Newel se contenta com o miolo dramático para expor um longo filme acadêmico, sem viço, sem invenção como cinema, quase uma destas realizações de cinema onde o ranço duma literatura ilustrativa torna os sentimentos e as pessoas em cena semimortos.

É bem verdade que O amor nos tempos do cólera é um dos mais frágeis trabalhos de García Márquez, enquanto O veneno da madrugada é uma de suas obras-primas. Mas os elementos temáticos entranhados do autor estão num e noutro livro e serviriam ambos para as inquietações de um cineasta; sabe-se, todavia, que Newel não se interessa por outra coisa senão por paparicar o público. Seu cinema educado e bem-feito congela a literatura de Márquez, assim como há muitos anos o alemão Volker Schlöndorff fez com a ficção do francês Marcel Proust em Um amor de Swann (1984). Pobres escritores.

A trama de O amor nos tempos do cólera conta o caso do amor por toda a vida que Florentino Ariza nutriu por Fermina Daza; conhecendo-a em jovem, foi depois ignorado por ela, que se casou com outro, ele nunca desisitiu; persistentemente, como um obsessivo, Florentino esperou que o marido de Fermina morresse para tornar a aproximar-se dela e declarar outra vez seu amor; escandalizada, ela o expulsa novamente; mas a persistência do amor, quem há de conhecer? Florentino acaba fazendo amor com Fermina, como se estivesse na velhice perdendo a virgindade naquele momento. Newel filma Márquez com excessivo respeito e distanciamento, mas o espírito intenso e agressivo das situações elaboradas pelo escritor desaparecem das pudicas imagens do neozelandês. No filme, o sexo feito pelos dois velhinhos é tomado por um gelo constrangedor.

Menos mal que os atores estão bem. Javier Bardem vive corretamente as diversas fases da vida do protagonista, assim como Giovanna Mezzogiorno atravessa sensivelmente as faixas etárias da amada. A brasileira Fernanda Montenegro, como a mãe da personagem central, brilha igualmente. Outra participação brasileira é a do músico Antonio Pinto, que sublinha sem maiores vôos com sua trilha sonora o classicismo das imagens.

Enfim, não é um filme de se perder a cabeça, como ocorre quando nos apaixonamos; mas poderá haver quem o valorize mais do que merece porque tem um andamento nunca aborrecido (apesar de aqui e ali o ritmo se dispersar). (Eron Fagundes)