Crítica sobre o filme "Sangue Negro":

Edinho Pasquale
Sangue Negro Por Edinho Pasquale
| Data: 25/08/2008
Tem filmes que nascem épicos. No sentido não apenas do tema, mas do tipo de produção, pela qualidade e pela “idéia†de onde querem chegar. Sangue Negro é um destes exemplos. Ao terminar de assistir ao filme, lembrei de algo que tinha lido antes de vê-lo: que o filme de Paul Thomas Anderson seria um Citizen Kane (Cidadão Kane) moderno. Realmente, a saga do magnata da imprensa retratado com perfeição pelo diretor Orson Welles parece se repetir aqui na pele do magnata do petróleo. Mas as comparações terminam por aí, porque o filme de Paul Thomas Anderson não consegue chegar nem perto da ousadia técnica e de estilo que Orson Welles conseguiu em seu filme de 1941. Ainda assim, Sangue Negro é um grande filme, especialmente pela marcante e inesquecível interpretação de Daniel Day-Lewis como o ambicioso, trabalhador e enlouquecido Daniel Plainview. Mas ainda que o ator seja o grande nome do filme, existem outros elementos que fazem dele um épico: a direção de fotografia, a trilha sonora, o roteiro cuidadosamente denso e bem trabalhado e, claro, um grupo de atores que segura o espectador do início ao final - com especial destaque para Paul Dano e Dillon Freasier. O filme foi um dos favoritos ao Oscar 2008 e saiu da premiação com a inevitável estatueta para Daniel Day-Lewis e com outra para o diretor de fotografia Robert Elswit.

Primeira curiosidade de Sangue Negro: ele começa arrebatador, com imagens cuidadosamente planejadas e uma trilha sonora marcadamente planejada, e segue assim, apenas com imagens e música, sem falas, por pelo menos 10 minutos. Sim, o primeiro diálogo só aparece depois. Interessante. E logo a primeira fala, claro, é a do nosso “herói†e “anti-herói†ao mesmo tempo, Daniel Plainview. O discurso dele para convencer uma comunidade de fazendeiros a explorar uma possível vertente de petróleo já diz muito do que este homem é ou é capaz de fazer. Seu discurso, baseado na idéia de “famíliaâ€, comentando que seu filho H.W. Plainview é seu sócio e participa de tudo que ele faz - detalhe: o garoto é uma criança! - já demonstra que tipo de idéia ele quer “venderâ€. Com o tempo se percebe que isso é apenas mais um discurso cínico que ele utiliza para chegar onde quer.

Aliás, sua obstinação por tornar-se rico é impressionante. A ambição é um dos temas principais do filme. Mas não é apenas Daniel Plainview que possui ambição. O seu por um tempo “rival†e, depois, “aliadoâ€, Eli Sunday também é motivado por uma ambição gigantesca. No caso de Daniel, o que lhe move é a vontade de ser rico, poderoso, invencível - ainda que ele tenha um certo “mérito†nisso, porque sempre deu duro para chegar onde quis (pena que apenas parte foi mérito, e o resto, manipulação de pessoas). Enquanto pelo lado de Eli a ambição se percebe no desejo de ser inquestionável, de ser um líder espiritual que move as pessoas cegamente. A moeda de Eli é a fé alheia, de pessoas simples e crentes. Os dois se utilizam de discursos muito bem montados - ainda que rivais - para mover “rebanhos†e para se tornarem poderosos. O interessante é que Eli, a princípio, parece querer apenas atenção, parece apenas ser “importanteâ€. Mas depois se percebe que ele também quer poder e dinheiro. A corrupção humana também é um tema forte no filme, assim como a disputa entre as forças do dinheiro e da religião.

Como falei antes também, Daniel Day-Lewis é o nome do filme. Ele realmente está genial. Mas existem outros nomes importantes na produção. Me impressionou o trabalho do jovem Paul Dano. Este estadunidense nascido na cidade de Wilton, no Estado de Connecticut, e com atualmente 23 anos, faz um trabalho perfeito como os irmãos gêmeos Paul e Eli. Aliás, por algum tempo o filme nos deixa na dúvida se de verdade se trata de duas pessoas diferentes ou de um único garoto dissimulado que se fez passar por duas pessoas. Depois se acaba sabendo que se trata de dois irmãos realmente. Outro ator que me impressionou por sua atuação foi o garoto Dillon Freasier. Ele interpreta o filho do ambicioso Daniel Plainview na época mais marcante e definitória do filme. Por uma boa parte da história ele não tem falas, e justamente aí que ele se sai extremamente bem. Além destes atores, destaco a participação, ainda que pequena do ator Ciarán Hinds como Fletcher Hamilton, o amigo e ajudante de Daniel Plainview.

Nos quesitos técnicos o filme funciona muito bem. Trilha sonora do inglês Jonny Greenwood maravilhosa, direção de fotografia de Robert Elswit perfeita (antes deste filme ele já tinha sido indicado ao Oscar por seu trabalho em Boa Noite, e Boa Sorte), edição de Dylan Tichenor muito bem feita e planejada. Pessoalmente, fazia tempo que eu queria ver um filme de Paul Thomas Anderson de qualidade. Não escondo que adoro Magnólia - acho que está na minha lista de filmes preferidos de todos os tempos. E depois de assistí-lo, fui atrás do que o diretor tinha feito antes e, claro, esperei o que ele faria depois. E tudo que vi foi lixo. Daí pensei: “Bem, mais um diretor que só fez um filme decente na vida e o resto nada!â€. Até esse Sangue Negro. Com esse filme, novamente, Paul Thomas Anderson demonstra que é um grande diretor e roteirista, ainda que eu ache que lhe faltou ousadia nesta história. Acho, realmente, que ele poderia ter feito algo melhor, com técnica mais apurada ou ousada. Até um certo ponto o seu estilo me lembrou um pouco o “naturalismo†de parte do Cinema Novo brasileiro, com planos que me lembraram um pouco Glauber Rocha, por exemplo. Mas isso, para mim, é passado. Ou, melhor, pode ser um presente ou futuro, mas com novos elementos para acrescentar. Se não, parece mais do mesmo e não algo original. Faltou mais ousadia para o filme realmente me conquistar.

Para quem não sabe, Sangue Negro é baseado em um livro do escritor Upton Sinclair. Mas é importante frisar que o filme é “livremente†inspirado na obra, ou seja, Sangue Negro não pretende ser nada fiel ao texto original de Sinclair. Apenas utiliza boa parte das suas idéias, mas não obedece nem a sequencia da narrativa e nem segue todos os detalhes. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)