Crítica sobre o filme "Tróia":

Jorge Saldanha
Tróia Por Jorge Saldanha
| Data: 17/08/2008
Esta versão da clássica obra “Ilíadaâ€, de Homero, possui na direção o competente Wolfgang Petersen (O Barco - Inferno no Mar), que apesar de alguns “modernismos†de estilo e concessões comerciais, conseguiu criar um bom e tradicional filme épico. Petersen optou por uma abordagem mais realista da história e podou por completo a intervenção dos deuses do Olimpo na trama, relegando-os à condição de crenças religiosas. A mãe de Aquiles, que na obra literária é uma deusa, até aparece no filme (interpretada por Julie Christie), mas na condição de uma simples mortal. Se por um lado elimina os deuses para dar maior espaço às motivações essencialmente humanas da trama, por outro o roteiro evita maniqueísmos ao não atribuir as funções de heróis e de vilões a ninguém (com a exceção do arrogante Agamenon). Adicionalmente, foram mudados fatos tidos como históricos, como a duração da guerra - o cerco a Tróia, segundo Homero, durou dez anos, mas no filme temos a impressão de que se passaram apenas alguns dias. Uma concessão de grande apelo comercial foi a escolha de Brad Pitt para interpretar o relutante guerreiro Aquiles que, no intervalo das batalhas onde derrota seus oponentes com movimentos saltitantes, mostra às câmeras seu escultural traseiro e faz amor com alguma beldade grega. Pitt até que não se sai mal como Aquiles, mas Eric Bana, ator cujos principais créditos anteriores foram Falcão Negro em Perigo, Hulk e posteriormente estrelou Munique, lhe rouba a cena. Já Príamo, o Rei de Tróia, propiciou que o veterano Peter O’Toole nos desse um dos melhores momentos do filme, aquele no qual o monarca humilha-se para solicitar a Aquiles a devolução do corpo do seu filho. O maior problema do filme em sua versão original de cinema era que, mesmo tendo 163 minutos de duração, muitos personagens, como Ulisses, não tiveram chance ou tempo de serem aprofundados. Outro exemplo é Helena, o elemento catalisador do conflito, que não teve o destaque que devia, limitando-se quase a ser uma figura decorativa. Mas isto mudou um pouco nesta Versão do Diretor.

Como não é raro de acontecer (veja o caso de outro épico recente - Cruzada, de Ridley Scott), Tróia foi lançado nos cinemas em uma versão que não agradou ao seu diretor (e nem a muitos espectadores). Por imposição do estúdio, sua duração foi bastante reduzida, e as cenas de nudez e violência foram suavizadas para que o filme recebesse uma classificação etária mais leve. Nada disso ajudou o desempenho nas bilheterias, e o épico não se tornou o grande sucesso esperado pela Warner. Felizmente Petersen teve a oportunidade de retornar ao seu filme, e como resultado temos agora uma versão mais fiel às intenções originais do diretor. A metragem adicional (que inclui cenas totalmente inéditas e versões estendidas de outras já conhecidas) permitiu desenvolver melhor os personagens, aprofundando suas motivações e dilemas, além de dar ao filme um tom mais sombrio. Notamos a inserção de novo material já no início, com uma interessante seqüência na qual um cão segue os rastros de pedaços de armaduras e elmos ensangüentados, até encontrar o corpo de seu dono - um soldado - sendo devorado por aves. A câmera se afasta, revelando dois grandes exércitos que se aproximam para se enfrentar. Esta cena estabelece o tom do que veremos adiante nas exuberantes cenas de batalha, agora retrabalhadas pelo diretor: detalhes sangrentos de corpos sendo atravessados por lanças e flechas, e de membros e cabeças decepados por espadas. Em um momento impressionante vemos, acima da linha onde as forças gregas e troianas se encontram, uma nuvem avermelhada formada pelo sangue dos soldados. A descrição gráfica da violência torna as batalhas ainda mais realistas, e nelas agora vemos mais dos feitos de Ajax (Tyler Mane), um gigante grego que massacra seus oponentes com uma marreta e que posteriormente enfrentará Heitor. Esse combate agora tem mais impacto, pois já vimos do que Ajax é capaz.

Saindo da violência para o romance, o relacionamento de Helena e Paris recebeu a intensidade que faltou na versão original, com mais diálogos e maior nudez de ambos nas cenas românticas. Diane Kruger é uma atriz belíssima e sua plástica perfeita, aqui melhor explorada, ajuda a entender porque tantos enfrentaram a morte por ela. Temos também a adição de duas pungentes cenas de funerais (um grego e um troiano), acompanhadas por um belo trabalho vocal composto por Gabriel Yared para a sua trilha musical, que foi rejeitada pelo diretor - que assim, ainda que de forma limitada, se faz presente nesta nova versão. Já que falamos na música, a trilha original de James Horner foi alterada para adaptar-se à nova montagem, sendo em alguns casos questionavelmente substituída por composições retiradas de outros filmes. O exemplo maior é o combate entre Aquiles e Heitor, agora acompanhado pela trilha de Danny Elfman para O Planeta dos Macacos, e no final por um pequeno trecho de Tropas Estelares, de Basil Poledouris. Não sei se esta foi uma decisão do supervisor musical ou do próprio Petersen, mas em qualquer caso acho que, para substituir a percussiva e interessante música de Horner, deveria entrar algo mais da trilha rejeitada de Yared. Além dessas modificações, os mais atentos perceberão outras adições de diálogos e, principalmente, a maior exposição de Ulisses, a partir de uma cena onde os soldados de Agamenon vão a Ãtaca convocá-lo para o ataque a Tróia, e o confundem com um simples camponês. Não sei até que ponto o sucesso de 300 influenciou na criação desta Versão do Diretor de Tróia, mas o fato é que o filme de Petersen melhorou – tanto que, apesar de agora ser 30 minutos mais longo, ele parece passar mais rápido.