Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 12/09/2009
O rito (Ritten; 1969) foi feito para a televisão e é um dos filmes menos citados do cineasta sueco Ingmar Bergman. Embora esteja longe da paixão estética despertada por muitos de seus outros filmes (a frieza e o rigor de filmar são os mesmos, mas não transcendem), O rito não deixará de interessar um bergmaniano convicto como eu: ali está o implacável olho clÃnico com que Bergman se debruça sobre as relações entre a crueldade e a humilhação humana e ali igualmente encontramos o absoluto despojamento visual (uma quase ausência de cenários para dar lugar a rostos e palavras) de que o cineasta usa para decifrar o lado escuro da alma dos homens.
O rito tem oitenta e dois minutos de narrativa, é dividido em rigorosos capÃtulos-episódio e é feito, como se disse, quase exclusivamente de faces e verbos. Um grupo habitual de atores de Bergman (Gunnar Björnstrand, Ingrid Thulin —que numa cena quase ao final aparece com seus seios cruelmente à mostra—, Anders Ek) vive uma série de situações ficcionais que, depois deste primeiro movimento de ficção, transforma as personagens em atores de ficção e é como se toda a ficção anterior se convertesse numa encenação que reflete sobre si mesma. Um ensaio, digamos assim. O juiz que interrogava ameaçadoramente o casal vai ser duramente questionado numa inversão de papéis por este casal; a ficção anterior (o juiz e seu interrogatório) vai ser usada pela encenação que vem (o casal de artistas vai expor agora o juiz ameaçador) a um inferno encenado, criando estranhas pontes a que só Bergman sabe dar seu próprio sentido.
Embutido entre filmes mais estimados como A hora do lobo (1968) e A paixão de Ana (1970), O rito é mesmo assim uma obra caracterÃstica de Bergman, que terá sempre seu grau de sedução. Seus aspectos formais (a dureza de linhas da encenação) e seus caminhos de roteiro (a encenação que se reflete na realidade) o aproximam de Depois do ensaio (1984), outro filme “menor†do realizador feito para a televisão. (Eron Fagundes)