Crítica sobre o filme "Longe Dela":

Edinho Pasquale
Longe Dela Por Edinho Pasquale
| Data: 02/10/2008
Todas as pessoas que já amaram alguém na vida pensaram no viver juntos até ficarem velhinhos. Mesmo que para alguns essa idéia seja apavorante - a idéia de planos para o “resto da vida†-, sem dúvida, quando estavam amando, pensaram nessa possibilidade. Alguma vez, pelo menos. Pessoalmente, de vários anos para cá eu tenho achado muito mais bonitos os casais de velhinhos enamorados do que os jovens enamorados. A cada ano eu acho mais isso. E eu não estou perto dos 60, ainda não sai da casa dos 20 - ainda que me falte pouco. Mas a questão não é essa, a idade. Quanto mais uma pessoa vive e admira a vida, percebe as nuances e aprende consigo e com os outros, mais suscetível está as delicadezas da vida, mais percebe o difícil que é amar uma pessoa por tanto tempo. E por tudo isso, talvez, que eu ache os velhinhos enamorados os mais belos casais do mundo.

Ao mesmo tempo, a vida me ensinou a pensar na velhice de outra maneira. Por experiência própria, de visitar velhinhos em asilos e com a informação cada vez maior do Mal de Alzheimer, há alguns anos reflito sobre o complicado que deve ser viver muito e viver mal. A maioria das pessoas que eu conheço querem viver muito, mas poucos se perguntam o que prefeririam: viver muito e com a possibilidade de estar doente, talvez muito doente no final; ou de viver menos, mas com saúde. Quase todos pensam apenas em viver muito. Pois eu penso também em conseguir viver dignamente, em viver com o mínimo de saúde e lucidez - existe um filme muito bom que também reflete sobre isso: Mar Adentro. Gostaria muito disso, para mim e para as pessoas que eu amo. E já me imaginei sofrendo de uma doença como o Alzheimer. Ainda que, na minha opinião, ela seja mais cruel para quem está a nossa volta do que para nós mesmo, em caso de sofrermos com ela. Mas enfim, toda essa introdução para falar de Longe Dela, um filme maravilhoso sobre o amor e sobre viver (e deixar viver) dignamente.

Logo que vi o nome da diretora, pensei: “Eu conheço essa mulherâ€. Mas acertei na trave. Pensei que fosse a diretora de Minha Vida Sem Mim e A Vida Secreta das Palavras… mas acertei na trave porque ela não foi a diretora destes filmes (a diretora é a maravilhosa Isabel Coixet), mas sim a atriz principal. Sim, a maravilhosa atriz Sarah Polley além de interpretar a personagem principal nos dois filmes mencionados - os quais adoro, especialmente o primeiro - também dirigiu agora esse Longe Dela.

Mas voltando ao filme. A história realmente é linda e narrada de uma maneira perfeita. Aliás, o roteiro também é assinado por Polley, inspirada na história curta The Bear Came Over the Mountain, de Alice Munro. Mas como eu ia dizendo, um tema tão forte quanto esse, do “desaparecimento†de uma pessoa em sua própria mente, o que alguns classificam como “morte em vidaâ€, e tudo o que isso pode significar para quem essa pessoa “deixaâ€, é tratado de maneira natural e poética pela diretora e roteirista. E os atores, ah os atores! Nem preciso dizer que Julie Christie e Gordon Pinsent estão maravilhosos. Christie teve sua interpretação reconhecida por uma indicação ao Oscar – ainda que, no final, não tenha ganho o prêmio.

Além deles, temos a sorte de ver na tela Olympia Dukakis como Marian, a mulher de Aubrey; Alberta Watson como a diretora do hospital, Dra. Fischer; e Kristen Thomson como a chefe de enfermagem Kristy - responsável por algumas das melhores frases do filme. Michael Murphy também emociona em uma interpretação muito difícil na pele de Aubrey. Realmente é um elenco afinadíssimo e que “conspira†em favor do roteiro.

Mas deixando a parte “técnica†do filme um pouco de lado, queria comentar sobre a história mesmo. Sei que muitas pessoas podem discordar de mim, mas além do tema difícil do Mal de Alzeheimer, o filme trata, ao meu ver, de como o amor é desigual e de como é difícil encarar a perda de alguém que se ama. De um lado, temos a coragem de Fiona, que decide o que é melhor para ela e para o seu marido, acreditando que sua decisão irá “facilitar†a despedida dos dois e que evitará que ele sofra tanto com o que ela sabe que vai acontecer. Ela encara o seu destino com perseverança, com uma segurança e uma coragem que só as pessoas que estão frente a morte creio que são capazes. Ou as grandes pessoas frente a outros desafios da mesma magnitude - ou quase.

Pois Fiona olha para o futuro, sabe que vai “perder a si mesma†e a tudo que conhece mas, ainda assim, segue em frente, obstinada. Grant, por outro lado, reage de maneira egoísta. É o amor que eu acho que a maioria dos homens vive: um amor de “pertencerâ€, um amor de “estar junto a qualquer custo†- ainda que na mentira, um amor mais egoísta. Por que digo isso? Porque ele age de uma maneira totalmente egoísta, na minha opinião, todas as vezes que tenta fazer Fiona lembrar de uma vida que ela já perdeu, todas as vezes que ele tenta afastar ela de Aubrey para que continue com ele em uma realidade que não existe mais. Ok, eu sei que é extremamente duro ver e sentir o que ele vê e sente, mas ele demora muitíssimo para aceitar o que está acontecendo com a sua mulher. E o pior: faz ela sofrer no meio do caminho. Egoísta. Mas mais que compreensível. Afinal, são as pessoas que amam os doentes de Alzheimer que lhes vê “morrendo lentamenteâ€.

Cito um momento para comprovar o que eu digo: quando ele diz para Fiona que é o seu marido e que ela está vestindo uma blusa que não é dela. Aquilo me partiu ao meio. Acabou com Fiona. Ou, como ela disse em outro momento, ela gostava de Aubrey porque ele não a deixava confusa. Deus! É de matar. Ao mesmo tempo, é claro, ele foi corajoso em ficar com ela até o final, ainda que muitos fatos lhe fizessem querer fugir. Independente se reagindo de maneira egoísta por grande parte do tempo ou não, Grant vivia seu grande amor, o amor de sua vida. E é difícil, reamente, ver algo assim desaparecer. Ainda que não desapareça, na minha opinião, mas se modifica. Nada mais.

Esse filme é uma produção canadense e não estadunidense. Isso porque Sarah Polley, Gordon Pinsent, Alberta Watson, Kristen Thomson e boa parte das demais pessoas envolvidas no projeto são canadenses. Sem contar que o filme foi rodado todo em Ontario, no Canadá. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)