Crtica sobre o filme "Outra, A":

Edinho Pasquale
Outra, A Por Edinho Pasquale
| Data: 10/08/2008
O que mais me chamou a atenção para ver este filme foi o elenco. Nem tanto pelo Eric Bana que, até hoje, ainda não me convenceu de todo - ele com Hulk realmente foi muito para a minha cabecinha, ainda que tenha feito um trabalho decente nos posteriores Munich e Lucky You. Mas eu tinha interesse especialmente por Natalie Portman - que está na minha lista de atrizes preferidas. Também por Scarlett Johansson e por Kristin Scott Thomas. Sabia, claro, que se tratava de um filme de época, mas não tinha caído nenhuma “ficha” sobre o nome Boleyn ou sobre sua história. Por isso mesmo, enquanto assistia ao filme, não fiz nenhum paralelo sobre a veradicidade do que estava sendo contado ou não - só fui comparar a história oficial com a contada no filme depois. Por se tratar de um filme de época, ele responde bem aos principais elementos desta categoria, ou seja, ótimo figurino e cenografia. A fotografia e a trilha sonora também se destacam, enquanto o elenco se mostra adequado - ainda que nada brilhante. Já o roteiro… bem, tenho muito para falar sobre ele ao analisá-lo por si só ou em contraste com o que realmente aconteceu.

O filme começa muito bem, misturando a alegria de uma família formada por pai, mãe e três filhos com os primeiros tons de ambição que motivam os “cabeças” desta família. Logo de cara se destaca também a direção de fotografia de Kieran McGuigan e a direção cuidadosa nos detalhes do inglês Justin Chadwick.

Rapidamente o filme passa daquele primeiro momento de decisão na vida das irmãs Boleyn - a definição do casamento futuro de Mary - para quando a história começa realmente a se tornar interessante. Neste momento inicial o roteirista inglês Peter Morgan acerta. Depois, contudo, ele vai deixando de lado uma série de detalhes importantes da história. Não li o livro de Philippa Gregory em que o roteiro é basado, mas é certo que muito do que aconteceu de verdade e foi historicamente registrado acabou sendo subvertido em função de uma narrativa mais “novelística” ou que, em teoria, se pensa mais ao gosto do público. Mas antes de falar de diferenças do filme com a história real destas pessoas, vamos ao que realmente parece esta obra cinematográfica. Como comentei antes, tecnicamente falando o filme é muito bem acabado. Além da direção de fotografia de McGuigan, destaque para o equilíbrio nos trajes desenhados e escolhidos pela inglesa Sandy Powell (que teve o trabalho reconhecido anteriormente com dois Oscar: por O Aviador e Shakespeare Apaixonado). O interessante é que seu trabalho se mostra, em A Outra, mais uma vez digno de elogios, ainda que, por um lado, algumas vezes, você fica desejando ver trajes mais “suntuosos”, por outro pensa que deveria ser mais realista esse tipo de roupas no dia-a-dia da corte do que outros exemplos que se pôde assistir em filmes anteriores. Também merece destaque o trabalho de adaptação das locações conseguido pela cenografia de Sara Wan. No mesmo grupo técnico merece menção David Allday, Matthew Gray e Emma MacDevitt pela direção de arte.

Comentada a parte técnica, vamos as interpretações. No geral, todos fazem um bom trabalho em cena, ainda que eu tenha achado Scarlett Johansson muito “meiga” ou mesmo superficial em boa parte do filme - ainda que seu papel fosse bem diferente do da irmã e que ela, na prática, realmente tenha sido coadjuvante na história real, não me convenceu muito o seu tom “bege” em quase todo o filme. Por outro lado - e era, claro, uma das intenções do roteirista -, Natalie Portman está ofuscante. Ainda que, na minha opinião, lhe faltou um pouco mais de sensualidade ou de perspicácia para convencer totalmente no papel da mulher que “desestabilizou” o Rei. Para fazer um paralelo de interpretação, por exemplo, achei Ana Torrent muito mais capaz de desestabilizar qualquer homem em cena do que a própria Natalie Portman - e olha que Ana Torrent só usas roupas de grande “recato”, quase pudicas.

Como praticamente sempre, Kristin Scott Thomas rouba a cena cada vez que aparece. O ator que interpreta o seu marido, o ambicioso Mark Rylance, consegue dar o tom exato de um homem que se deixa manipular pelo cunhado, interpretado com malícia por David Morrissey, para conseguir o máximo de vantagens possíveis para si e para os familiares. O inglês Jim Sturgess como George Boleyn, o irmão de Anne e Mary, consegue uma interpretação leve e convincente, enquanto que a pequena participação do também inglês (aliás, a maior parte do elenco é inglesa) Eddie Redmayne (como William Stafford, segundo marido de Mary) é interessante, ainda que praticamente passe imperceptível. Oliver Coleman como o nobre Henry Percy, o primeiro objeto de desejo de Anne, é um colírio para os olhos das espectadoras.

Agora falemos da história propriamente dita. Como comentei antes, o filme “pula” rapidamente da infância dos irmãos Boleyn para o casamento de Mary com o apagado nobre William Carey. Logo, com a chegada a casa do irmão de Lady Elizabeth Boleyn, o ambicioso Thomas Howard, começa um impressionante jogo de agenciamento puro e simples das mulheres da família para conseguir status social. Sim, porque o filme trata, essencialmente, de como algumas pessoas conseguiam “subir na vida” utilizando-se de meios tão deploráveis quanto oferecer suas filhas ou sobrinhas para serem amantes de reis ou nobres com poder. Aliás, esse aspecto da história, para mim, foi o mais interessante. Porque toda a insinuação de uma rivalidade entre as irmãs Mary e Anne não passou de um efeito deste jogo ambicioso engendrado pelos homens da família e, aparentemente, assumidos com gostos pelas duas irmãs.

Falando nisso, aqui entra o primeiro questionamento que eu fiz para com os meus “botões” enquanto assistia ao filme: realmente será que as mulheres naquela época aceitavam com tão bom grado as determinações de suas famílias, inclusive para prostituir-se em troca não de dinheiro, mas de status na Corte, títulos de nobreza e, algumas vezes, propriedades? Ok que naquela época tudo passava pelo Rei soberano - o filme trata um pouco disso ao mostrar que decisões de casamento e de divórcio passavam pelo crivo do monarca -, mas será que não havia realmente alguma maneira de confrontar o que se considerava absurdamente repulsivo de aceitar? Claro que acho impossível alguém descobrir realmente o que pensavam as irmãs Boleyn, mas é uma pergunta que me faço. Assim como achei também que até o fato de tudo passar pelo monarca foi um exagero… afinal, com tantas decisões para tomar, esse tipo de tarefa de decidir matrimônios ou separações deveria passar por um de seus muitos assessores e não diretamente pelo Rei.

Feitos esses comentários, também quero dizer que achei um pouco exageradas as “mudanças de humor” do tal Rei… afinal, ele assumir um verdadeiro desprezo por Anne após um simples acidente de caça e, depos, quando ela volta da Corte francesa, tornar-se tão obcecado por ela, a ponto de perseguí-la pelo castelo e de separar-se de sua Rainha me pareceram um pouco exagerados. Afinal, por mais que Anne tenha voltado mudada - na verdade, cá entre nós, não vi tantas mudanças assim, fora o fato dela falar mais o que pensava - da Corte francesa e, desta forma, passar a ser o centro das atenções entre os nobres, apenas isso não seria motivo para tanto interesse do Rei. E todo o “jogo” feito por ela para seduzí-lo me pareceu muito vago ou superficial para realmente ter surtido efeito da maneira com que surtiu, com o Rei prometendo nunca mais dormir com sua então Rainha e nem falar com Mary, de quem tinha acabado de ter um filho homem - o primeiro e único. Achei também inexplicavelmente desmedida a mudança de humor do Rei após ele ter “violentado” a tão desejada Anne antes do casamento. Afinal, em cena, tudo parece indicar que ele passou a ter ódio e/ou repulsa pela mulher - o que seria justificado pelo fato dela ter-lhe “obrigado” a romper com a Igreja Católica. Estranho, muito estranho.

Depois, no final, achei que faltou uma explicação sobre como a filha de Anne com o Rei, Elizabeth, teria se transformado em Rainha. Afinal, ela tinha dois sucessores na frente: o único filho homem do Rei, que teve com Mary, irmã de Anne; e a filha do primeiro casamento do monarca com Catarina de Aragão. Faltou explicar porque isso só fui entender depois, ao descobrir a verdadeira história das irmãs Boleyn.

Filme por filme, sem preocupações de ser fiel a História, A Outra se mostra uma bem cuidada história de ambição e intriga nos bastidores da Corte inglesa durante o reinado de Henrique VIII (também chamado de Henry Tudor). Mas se formos analisar o que o filme tem de verdade, é muito pouco. Se resume, basicamente, ao fato de que o Rei teve caso com as irmãs Boleyn e que acabou mudando os rumos da Inglaterra por causa de sua obsessão por Anne. Fora isso, pouco mais é realista.

Vejamos: para começar, segundo a História, Mary foi jogada no leito de amante do Rei enquanto a irmã, Anne, recebia formação na Corte francesa. Em outras palavras: nunca existiu o desejo da família em apresentar Anne como a primeira opção para o Rei, assim como nunca houve aquela primeira “competição” entre as irmãs para saber quem seria a amante de Henrique VIII. Segundo a História, Anne apareceu na Corte inglesa depois que sua irmã já era amante do Rei. Ela chegou realmente a ter um romance com Henry Percy, mas foi impedida pelo pai de seguir com ele.

Conforme a história oficial, Anne voltou para a convivência da Corte inglesa em 1525 e, dois anos depois, foi pedida em casamento pelo Rei. Sem ceder aos apelos de Henrique VIII para que ela se tornasse sua amante, ela seguiu na Corte aumentando a sua influência ao estreitar laços de amizade com o embaixador francês Monsieur de la Pommeraye, que estaria apaixonado por ela - relação essa de poder de Anne que não foi nada explorada no filme. Nada popular entre o povo, Anne chegou a ser vítima de várias manifestações de seguidores da Rainha Catarina de Aragão. O curioso é que a separação do Rei não foi rápida… para nada. Depois de pedir Anne em casamento em 1927 e dela ter aceitado, eles só foram se tornar amantes em 1532, um ano antes de que realmente se casassem. Aliás, este é um ponto de grande curiosidade histórica, já que muitos se perguntam porque, depois de tantos anos, Anne teria cedido aos apelos do Rei antes de conseguir realmente se casar com ele - teria sido violentada como mostra o filme?

Outro ponto curioso e também não muito claro na História é que o Rei casou-se com Anne secretamente em janeiro de 1533, antes mesmo de ser anunciado oficialmente a sua separação da Rainha Catarina de Aragão. Assim sendo, apenas em junho Anne foi coroada oficialmente Rainha da Inglaterra. Ela ficou conhecida por Anne dos 1000 dias porque teve um reinado muito curto. Curioso que, segundo um texto da Wikipedia, o Rei “parecia satisfeito com Anne em tudo, menos na falta de um herdeiro”. Algo bem diferente do que se viu na tela, quando o Rei parecia estar insatisfeito com a mulher em tudo… Segundo o que se conta oficialmente também, não parece tão clara a “inocência” de Anne como o que é contado no filme. Chegam a dizer que ela teria tido um filho - nascido morto, como outros - da relação incestuosa com o irmão.

O outro ponto não explicado no filme, de como a filha de Anne com o Rei foi se tornar a Rainha da Inglaterra por tanto tempo, só foi esclarecido por outro texto da Wikipédia. Com a morte dos outros dois meio-irmãos é que Elizabeth finalmente assumiu o posto de Rainha. Enfim, mais um filme que serve como passatempo, tem suas qualidades técnicas e uma certa “pressa” em contar a história. Mas se for levado em conta o que realmente aconteceu, ele fica anos-luz de qualquer história real.

Este é o primeiro filme do inglês Justin Chadwick para os cinemas. Antes ele dirigiu a produção televisiva Family Style, com Ewan McGregor, em 1993, assim como uma boa variedade de séries televisivas.

O roteirista Peter Morgan, que aqui descuidou de vários detalhes e passou “batido” por tantos outros, escreveu antes o elogiado roteiro de A Rainha, que conta com uma magistral interpretação de Helen Mirren como a Rainha Elizabeth II - ironicamente a descendente de toda esta “suruba” da família Boleyn com o Rei inglês. Achei que faltou força no roteiro deste filme mais recente.

Como já era de se perceber com o filme, ele foi todo filmado na Inglaterra. Entre as cidades e locações, destaque para as cidades de Kent, Gloucestershire e Cambridgeshire, assim como para os castelos de Berkeley e Dover e para a Catedral de Ely. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)