Crítica sobre o filme "Da Vida das Marionetes":

Eron Duarte Fagundes
Da Vida das Marionetes Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/10/2008
Avançando ainda mais no sentido de fazer do cenário físico uma abstração do interior das pessoas (os signos do cinema utilizados com perfeição para chegar a seu significado humano), Bergman fala do estado possessivo das relações humanas em Da vida de marionetes (1980), formalmente um de seus filmes mais duros e rígidos. A posse perfeita, sabem todos os amantes desesperados e observa perversamente Bergman, só se dá pela morte. Assim, Peter mata Ka, a prostituta, fantasiando matar Katarina, sua esposa, e, a certa altura, tenta o suicídio para se ter integralmente a si próprio. A interiorização desta idéia (concebida e elaborada numa narrativa fluida e musical onde a energia de sombras, rostos e vozes sussurradas transmite um encanto muito pessoal) é o que dá ao filme de Bergman sua novidade maior, no plano de sua obra e do cinema em geral; ao ter logrado transpor para ondas cinematográficas sua filosofia da angústia humana e a forma de superá-la, o cineasta venceu o desafio sempre latente em todos os seus filmes.

Como um pesadelo expressionista, cheio de tiradas que puxam para os excesso racionalistas, Da vida de marionetes tem como centro o drama de Peter, um cidadão de meia idade inseguro, de tendências homossexuais ocultas, dotado dum enfado depressivo constante (expresso na face que só a genialidade de Bergman consegue compor numa tela, mas igualmente mortificado nas rápidas imagens que descrevem o trânsito e os edifícios lá de baixo). Katarina, sua esposa, serve-lhe de suporte psicológico; e tem pouca vida como entidade ficcional, sem embargo da bela interpretação que Bergman extrai de sua atriz; enquadra-se ela como um elemento da alma de Peter, que é o que importa na narrativa. Há Tim, um pederasta cujo monólogo diante do espelho e de Katarina é uma revelação bergmaniana. Há o psiquiatra que disseca a trama. Há a dor da mãe de Peter (semelhança entre ela e a mãe vivida por Ingrid Bergman em Sonata de outono, 1978, em detalhes de composição cênica). E tornam a surgir no prólogo os asfixiantes borrões vermelhos de Gritos e sussurros (1972), que, segundo Bergman, representam a cor da alma.

Quem se debruçar sobre o texto-roteiro deste filme de Bergman, como sobre quaisquer dos textos-roteiro de seus filmes, vai descobrir as constantes inquietações do realizador para com as soluções visuais de suas realizações. E aquilo com que o espectador depara em Da vida de marionetes revela tanto o rigor quanto a simplicidade destas soluções finais encontradas pelo cineasta. (Este texto são excertos do texto escrito para o filme em 09.07.1981 por Eron Fagundes)