Crítica sobre o filme "Depois do Ensaio":

Eron Duarte Fagundes
Depois do Ensaio Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/10/2008
Aconteceu no Natal de 1985. Aos trinta anos de idade, amando o cinema e o cinema de Ingmar Bergman na primeira fila, rumei para o saudoso Cinema Um, Sala Vogue: exibiam Depois do ensaio (Efter repetitionen; 1983), o telefilme rodado por Bergman depois que, tendo finalizado Fanny e Alexander (1982), o cineasta sueco anunciou que dava por encerrada sua filmografia para cinema. A verdade é que não gostei da nova experiência televisiva de Bergman: aborreci-me com coisas que amei em outros filmes seus, Sonata de outono (1978) e Da vida de marionetes (1980), o nível despojadíssimo da encenação, o incessante palavrório intelectual, a ingenuidade reflexiva que aqui e ali espreita a ação das personagens. Por que seria? Colocado nos anos 80, comparado com os maiores filmes de então e assentado sobre a filmografia de um dos maiores cineastas do mundo, talvez Depois do ensaio parecesse mesmo muito pequeno.

Revisto agora, é claro que não deixa de ser um Bergman menor, mas as características hipnóticas da encenação bergmaniana mostram que sua forte personalidade cinematográfica quase não tem parâmetros no cinema contemporâneo. Bergman dá uma aula de ritmo cinematográfico a que a quase totalidade dos filmes de hoje não tem acesso. Tive a mesma impressão quando revi a obra-prima Apocalypse now (1979), de Francis Ford Coppola, para juntar na referência um filme de setenta minutos (Bergman) e outro de cento e noventa e seis minutos (Coppola). Boa parte dos cineastas atuais não sabe segurar a peteca da linguagem.

Em Depois do ensaio Bergman coloca em cena a discussão da relação de um diretor de teatro com duas atrizes (no palco um texto de Strindberg). Uma delas é sua ex-mulher e ex-atriz. A outra é a atriz de sua atual peça e seu caso do presente. Na primeira parte da fita os diálogos se passam entre o diretor e sua jovem musa de hoje. Depois a jovem fica muda em cena, é uma espectadora silenciosa das brigas do diretor com sua velha ex. Este artifício de testemunha-muda de briga de casal já havia sido utilizado com idêntica mestria por Bergman em Da vida de marionetes: a criatura parece-se a um ícone psicológico e visual. Raros planos gerais (secos, chapados, um quase não-cenário) interrompem os habituais planos próximos de Bergman.

Aconteceu no Natal de 1985. Acordo no outono de 2002. Como tudo está mudado. Inclusive o cinema. (Texto escrito em 20.04.2002 por Eron Fagundes).