Crítica sobre o filme "Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto":

Edinho Pasquale
Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto Por Edinho Pasquale
| Data: 22/10/2008
Tem pessoas que fazem escolhas realmente estúpidas. Ignoram hierarquias, laços familiares, responsabilidades e resolver optar por um golpe arriscado para se dar bem. O problema é quando o plano dá errado e cada passo seguinte piora a situação. O primeiro atrativo de Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto para mim foi realmente o elenco. Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei e Albert Finney nos papéis principais, além de outros atores impressionantes como coadjuvantes, atraem qualquer um(a). Depois fui notar o nome do diretor: Sidney Lumet, um mago do cinema que já foi capaz, em sua carreira, de fazer filmes excelentes tanto quanto filmes medíocres. Mas o que mais me impressionou, quando o filme terminou, foi realmente o roteiro, irônico, mordaz e potente.

Existem várias histórias fragmentadas no cinema. Ou seja: a técnica não é novidade. Ainda assim, Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto surpreende pela inteligência dos cortes temporais. Eles não cansam - como talvez ocorra em Ponto de Vista. Cada corte atua para estimular a curiosidade, surpreender e fazer com que a história entre de maneira mais contundente na vida de cada um dos personagens principais.

Realmente o roteiro, para mim, é o grande astro do filme. Detalhe: ele marca a estréia de Kelly Masterson nos cinemas. Durante sete anos Masterson tentou que seu roteiro virasse filme, sem sucesso, até que Sidney Lumet aceitou o desafio. Acertando na mosca. Aliás, Lumet volta a fazer um grande filme, depois de dirigir histórias dispensáveis como Gloria e Night Falls in Manhattan. Outro acerto do filme foi a escolha dos atores, cada um competetíssimo em seus papéis.

Mas voltemos a falar da história. O filme não faz rodeios para mostrar o momento crucial do filme: o assalto à relojoaria mal-sucedido. Ainda assim, cada minuto que passa vai nos revelando o tamanho do desastre. Andy, ambicioso, consumista e mal resolvido com sua família tem a infeliz idéia de assaltar a joalheria de seus pais. Manipulador, ele consegue enredar o irmão mais novo no assalto, deixando para ele o pior do plano: a ação propriamente dita. Hank, o “preferido†do patriarca da família, Charles (o estupendo Albert Finney), acaba não tendo coragem de executar o plano e chama a Bobby (Brian F. O’Byrne) para entrar na loja e assaltá-la.

O que ninguém esperava é que Nanette (Rosemary Harris, também ótima), mãe de Andy, Hank e Katherine (Arija Bareikis) estaria naquela manhã de sábado substituindo a vendedora da relojoaria. Depois do assalto (e debido ao que aconteceu nele), surge em cena chantagens, culpas e mais violência. Uma história de desespero por dinheiro e de situações familiares nunca resolvidas que poderia acontecer em qualquer lugar. Ainda assim, da maneira com que ela é contada e, principalmente, devido as interpretações afinadíssimas dos atores, Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto é tudo, menos um filme banal.

Achei especialmente potentes as interpretações dos três atores principais, pai e filhos. Além delas, destaco Michael Shannon como Dex, o irmão da viúva Chris Lasorda (Aleksa Palladino) e Rosemary Harris como Nanette. Também estão no filme, mas em papéis menores, Sarah Livingston (como Danielle, filha de Hank) e Blaine Horton (como Justin, traficante frequentado por Andy).

Tecnicamente o filme está bem acabado, tanto na direção de fotografia de Ron Fortunato quanto na trilha sonora de Carter Burwell. Falando em trilha sonora, é especialmente irônico o momento em que Hank e Bobby estão no carro esperando o momento em que o segundo deve entrar na relojoaria. A “preparação do personagem†de Bobby é uma das poucas tiradas cômicas do filme - junto com aquelas do traficante frequentado por Andy. No geral, Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto se mostra denso. Realmente de mexer com o brio de qualquer um a busca pela verdade de Charles Hanson.

Também fiquei impressionada em como as pessoas podem fazer escolhas erradas e serem estúpidas. Como Hank, o “bandido/mocinho†do filme, teoricamente fantoche do irmão, que resolve envolverse justamente com a “carente†mulher dele. Tem pessoas que realmente parece que não tem a noção do perigo.

Até o momento Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto ganhou sete prêmios e foi indicado a outros 12. Entre os que abocanhou estão os de “melhor elenco†conferidos pela Sociedade de Críticos de Cinema de Boston, pelo Prêmio Gotham (especializado no cinema independente) e pelo Satellite Awards. Realmente, o elenco é de matar. Curioso também que ele ganhou o prêmio de “melhor pôster independente†no Golden Trailer Awards. Ok que o pôster é bacana, mas não achei tuuuuuuuuuuudo aquilo. O filme realmente tem toda a “pinta†para virar cult. Quer dizer, menos para as pessoas que não tem muito senso de humor ou ironia, afinal, se trata de uma história densa sobre uma família nada próxima e com um bocado de violência no meio.

De bilheteria ele foi mal - comparando com outros filmes menos interessantes de Hollywood: conseguiu pouco mais de US$ 7 milhões até o dia 9 de março nos Estados Unidos. Detalhe: ele teria custado algo em torno de US$ 18 milhões. Ou seja: aos olhos dos executivos de cinema ele foi mal, um verdadeiro fracasso. O que eu acho curioso (e uma pena), porque ele tem um elenco realmente potente e, como atrativo, alguns prêmios no currículo.

Lendo uma entrevista com o roteirista é que descobri que ele estudou Teologia (será por isso a sua “brincadeira†com o Paraíso e o Diabo?) e que trabalhou como produtor e escritor de peças teatrais antes de escrever seu primeiro roteiro para os cinemas. Curioso que ele comenta que o livro Reservation Road, que inspirou o filme de mesmo nome, lhe inspirou para escrever Before the Devil. Acho que especialmente sobre as questões de crise moral que os dois filmes trazem, além da gradativa profundidade que eles vão dando para as personalidades dos envolvidos nas respectivas situações trágicas. Curioso também que ele considera o seu filme mais existencial do que niilista - concordo com ele.

E uma piadinha sem graça: e pensar que tudo aconteceu por causa do Rio de Janeiro, não é mesmo? Afinal, Andy acreditava que viajar novamente para o Rio seria a solução para os seus problemas - especialmente com a mulher. Doce ilusão. Falando nisso, gostei também da “piada†com referência ao filme Feitiço do Rio, uma produção de 1984 estrelada por Michael Caine e Joseph Bologna - e que conta com uma participação de Demi Moore. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)