Crítica sobre o filme "Speed Racer":

Jorge Saldanha
Speed Racer Por Jorge Saldanha
| Data: 15/11/2008

Da turma de jovens diretores e roteiristas que hoje estão em Hollywood, a dupla de irmãos Andy e Larry Wachowski são dos poucos que procuram imprimir um estilo próprio na escrita e no visual de seus filmes. O problema é que eles, em 1999, fizeram um “filminho†chamado Matrix, que virou uma espécie de objeto de veneração de uma horda de hackers e geeks, e quando vieram as duas continuações, ficou claro que a obra não era a Bíblia de uma nova cyber-religião, a pedra-base de uma revolução, mas sim uma nova trilogia sci fi à la Star Wars, com heróis rebeldes (humanos) lutando contra um Império do Mal (as máquinas).

Os “traídos†(os já citados acima e mais uma leva de críticos que exageraram na louvação ao filme de 1999) não perdoaram aqueles a quem haviam considerado os arautos de uma nova era, e passaram a detonar toda e qualquer obra da fraternal dupla. O fabuloso V de Vingança (2006, apenas escrito pelos Wachowski) foi acusado de ser uma apologia ao terrorismo, numa reação surpreendente das mesmas almas que, em 1999, achavam que Matrix era o início da revolução que iria destruir as estruturas arcaicas da sociedade. E agora com este Speed Racer eles voltam à carga, mas sem muito a ter o que dizer. O que importa é que, se é dos Wachowski, tem que falar mal.

Confesso que este projeto, desde o início, nunca me chamou muito a atenção - exceto pelas razões que teriam levado a dupla a, entre tantas opções de projetos, se jogarem de corpo e alma na transposição para o cinema de um anime (desenho japonês) dos anos 1960. Mas na verdade os motivos são óbvios - a linguagem dos desenhos animados e as referências ao Japão são uma constante na obra dos Wachowski. Quando eu criança assistia eventualmente Speed Racer, apesar de achá-lo divertido não era algo ao qual retornasse com freqüência. E quando vi o primeiro trailer do filme, a minha impressão não foi boa - obviamente os irmãos fizeram um desenho com atores onde tudo, exceto eles, era artificial e com cores brilhantes. E a física das corridas era coisa de desenho mesmo. Se era para ser assim, para que afinal de contas perder tempo fazendo um filme? Já estava esperando algo na linha do pavoroso Thunderbirds, outra adaptação de um clássico da época que, além de infantil, era oca como uma bola de pingue-pongue.

Finalmente, quando vi o filme, não tive uma experiência que me “iluminou†e mudou minha existência, mas comprovei (de novo) que os Wachowski são cineastas diferenciados que conseguem criar uma identificação própria em cada obra sua. É sim um filme para crianças - as cores exageradas, com ênfase nas básicas, são de gibi, a violência é de mentirinha, o casal Speed / Trixie só se beija no fim do filme, tem muita piadidinha com a dupla Gorducho / Zequinha e as corridas são delírios non sense em computação gráfica, misturando as que víamos no desenho original com as de outro clássico, este americano e de outra dupla, a Hanna/Barbera - Corrida Maluca. O roteiro de Speed Racer é trabalhado em torno de duas idéias básicas constantes na obra da dupla - o poder de grandes corporações (máquinas?), que tentam absorver os indivíduos, e a importância da união familiar. E a conjunção dessas idéias com um visual de viagem de ácido sessentista faz do filme algo diferente.

Além disso, me agradou a mensagem que o filme deixa: a de que vale a pena lutar contra a opressão (seja ela as máquinas, as corporações ou um governo repressor) e defender sua família. A relação dos irmãos Speed e Rex Racer é exemplar neste aspecto, e me pergunto se ali não está espelhada a própria experiência pessoal dos irmãos cineastas. Que, sem dúvida, possuem experiência em lutar contra jogos de cartas marcadas. Se em Speed Racer são as corridas que são arranjadas, aqui fora é o que? Seja o que for, só espero que os dois continuem tendo liberdade para fazer seus filmes. Por piores que eles sejam, sempre terão duas coisas que faltam na maioria das produções de massa atuais: estilo e alma.