Crítica sobre o filme "Nossa Vida Sem Grace":

Edinho Pasquale
Nossa Vida Sem Grace Por Edinho Pasquale
| Data: 12/12/2008
Este é um bom exemplar de filme para ser bombardeado. Primeiro, porque a história é a típica que cai no gosto de quem gosta de julgar o próximo. Segundo, porque o diretor James C. Strouse não tem nenhuma pressa em acelerar o ritmo da narrativa ou de escrever o seu roteiro para agradar o espectador. Resumindo: Nossa Vida Sem Grace é o típico filme que fará muita gente criticar imensamente o personagem Stanley Philipps, vivido de uma maneira interessante e marcante por John Cusack, acreditando que tem a resposta certa para o que uma pessoa deveria fazer em uma situação como a dele. O problema é que jogam papéis decisivos aqui a frustração e a incredulidade. Como explicar para as suas duas filhas que você mal consegue criar sozinho quando a sua mulher está fora de que a mãe delas morreu de uma forma estúpida, sem justificativa? E olha que Philipps ainda acredita na instituição do Exército e vê como “justificável†a causa que matou a sua mulher… ou pensava que acreditava até que o pior aconteceu.

Muitas pessoas - talvez a maioria - que vá assistir a esse filme sairá do cinema ou desligará o DVD irritadas. Estarão dizendo uma para as outras: “Mas isso é atitude de um homem adulto, pai de família e que tem duas garotas em casa que são suas dependentes?â€. Fácil julgar. Sempre foi e sempre será mais tranquilo apontar o dedo para a pessoa próxima e dizer tudo que ela faz de errado. Mas quem pode julgar Stanley Philipps? Ninguém. Nem mesmo alguém que tenha passado pelo mesmo. E eu explico o porquê.

O personagem vivido por John Cusack (em uma das, senão a maior interpretação de sua carreira) vive frustrado. Se sente também culpado por estar em casa enquanto a mulher faz o que ele gostaria, enquanto ela leva a vida de “herói†que ele sempre sonhou. Enquanto ela está longe de casa defendendo o seu país - algo que ele realmente acredita ser o correto -, ele está em casa cuidando de duas meninas com as quais ele não consegue se comunicar direito. Quando começamos a assistir o filme, Philipps parece um estranho em seu próprio lar, em seu próprio corpo. Cada gesto, cada olhar furtivo que Cusack lança em sua interpretação denuncia a falta de conforto de um homem vestindo uma fantasia de pai de família. E se ele queria sair correndo, tudo fica mais impossível quando chega a notícia da morte de Grace.

É dificílimo lidar com a morte de uma pessoa que a gente ama muito. Mas, algumas vezes, por mais paradoxo que isso possa parecer, é mais fácil lidar com a perda quando estamos sozinhos. Porque daí nada e nem ninguém nos impede de nos afundarmos por um tempo, de nos jogarmos dentro de um casulo sem prazo para sair. Mas tudo fica mais “pesado†ou mais “grave†quando existem pessoas hipoteticamente mais frágeis que nós mesmos dependendo de nossa força, de nossa postura. Mas que força? Que postura? Como permanecer com a coluna ereta se perdemos uma parte importante de nós mesmos expresso na forma da pessoa que escolhemos para viver conosco e que é o nosso amor? Difícil, muito difícil. Mas necessário se reerguer.

Neste cenário de perda, de frustração e de dificuldade em se comunicar é que Philipps decide sair de casa, do seu “lugar seguroâ€, para aventurar-se. Quem sabe no caminho ele não encontra a forma de contar para as filhas que a mãe que elas sentem falta todos os dias nunca mais irá voltar? E ele vai dirigindo, perguntando o que Heidi e Dawn querem fazer sempre, enquanto pensa no que vai fazer. (SPOILER - não leia o trecho a seguir se realmente não assistiu ao filme). Para mim um dos momentos mais duros do filme é a última ligação que ele faz para a casa deles. Na primeira, quando ele liga para ouvir a voz de Grace na secretária eletrônica e deixa uma mensagem como se ela fosse voltar para casa, achei besta, pensei que ele estivesse negando a realidade. Talvez sim. Mas depois, quando ele liga para ouvir a voz de Grace na secretária eletrônica e também para pedir ajuda, perguntando como ele deveria falar o que deveria falar para as filhas, foi de matar. Cada um realmente sabe a dor que sente e encontra, por autopreservação mesmo, a melhor forma de enfrentar a sua dor.

Agora sobre o filme propriamente dito. Gostei do ritmo natural da história, que não tem pressa alguma em chegar a respostas. James C. Strouse escreveu o roteiro e também dirige o filme. Para mim, fez um bom trabalho. John Cusack, como eu disse antes, está incrível. Não é fácil interpretar um sujeito que carrega tanto peso sobre os ombros e que, por incrível que pareça, talvez seja mais comum do que gostaríamos. As meninas que interpretam as filhas de Stanley e Grace são ótimas, especialmente Shélan O’Keefe. Gostei bastante da direção de fotografia de Jean-Louis Bompoint e da trilha sonora de - quem diria! - Clint Eastwood.

Falando em “quem diria!â€, Marisa Tomei faz uma ponta quase imperceptível como a “mulher da piscina†do hotel em que eles ficam hospedados uma noite - e em que Heidi conhece um garoto com o qual tenta “flertar†e começar a fumar.

Algo interessante do filme é que nunca vemos a Grace que dá título ao filme, mas ela está sempre presente, como uma “entidadeâ€. Acho que a trilha sonora de Eastwood ajuda bastante neste efeito.

Falando em “efeitoâ€, achei curioso também como o filme acaba sendo uma crítica interessante a ignorância da Guerra do Iraque, ainda que isto não seja muito óbvio na história. Sabemos que Grace foi para o Iraque por uma “fração†de tempo em que Heidi está assistindo TV em casa. Depois, a crítica aparece em uma conversa “casual†entre Heidi, seu tio John (Alessandro Nivola) e o próprio pai. No fim das contas, assistimos em tela uma história que poderia ser real e que, provavelmente, está ocorrendo de maneiras “levemente†distintas em muitas casas dos Estados Unidos agora mesmo. Pessoas perdendo amores de suas vidas, filhas ficando órfãs por uma guerra inútil e corrompida. Mesmo sendo um “drama humanoâ€, Nossa Vida Sem Grace é carregado desta crítica das mortes estúpidas e anti-naturais.

O interessante é que Nossa Vida Sem Grace teve um baixíssimo orçamento: teria custado US$ 2 milhões. Independente, sendo exibido em pouquíssimas salas nos Estados Unidos, ele até agora conseguiu uma bilheteria “ridícula†para os padrões de Hollywood: pouco mais de US$ 50 mil. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)