Dirigido por David Mamet, caracterizado pelos seus muitos altos e baixos (sendo reconhecido especificamente como roteirista), "Cinturão Vermelho" encontra força não exatamente na sua estruturação (que se revela bastante fálica), mas no sentimento que transpõe por meio de suas análises sociais, morais e psicológicas. O filme nunca chega a cortar fundo com seus comentários e senso crÃtico, mas estabelece um equilÃbrio dramático admirável ao introduzir uma longa linha de personagens que, conectados por meio do ambiente no qual estão dispostos, logo ganham nossa simpatia. Envolvemos-nos facilmente com o filme, e existe muito proveito a ser tirado das intenções nobres da direção de Mamet e do próprio roteiro, que se revelam, apesar das inconsistências, muito expressivos. Em outras palavras, mesmo quando a estrutura falha, a overdose de personagens embaralha e equÃvocos vêem a tona, prevalece o tom dramático conquistador, que se esquiva da simples denúncia para se tornar um drama de moralidade humana um tanto emocionante.
O roteiro analisa consideravelmente bem as implicações sociais existentes em certos contatos humanos e, nisso, a própria complexidade humana em realizar escolhas e incitar talvez os mais rancorosos defeitos. Como a ganância, que pontua o caráter de tantos personagens que surgem na obra. Enquanto isso, Mamet não faz mal ao sempre entregar uma complexidade a mais aos seus personagens, e isso é ainda mais aperfeiçoado levando em conta o talento do elenco bastante amplo e eclético. Tirando certa canastrice de Tim Allen, há muito a ser aproveitado do resto, como os brasileiros Rodrigo Santoro e, principalmente, Alice Braga, visto como esta possui um papel bem maior e importante. Santoro e Braga não fazem mal e parecem pavimentar com muita elegância uma futura e sólida carreira no cinema hollywoodiano. Quem conquista mesmo, além do ótimo Chiwetel Ejiofor, bastante convincente, é Emily Mortimer, simplesmente excepcional no seu pequeno, mas expressivo papel.
Além de tudo isso, do tom dramático acerca das moralidades humanas, o filme é sobre um esporte que hoje é muito subjugado. O jiu-jitsu que, na vida dos personagens, apresenta um importante papel, também servindo de pano de fundo e de palco para os questionamentos morais apresentados. No todo, essas intenções nobres de Mamet são bem articuladas, o problema maior do filme é mesmo quando perde o foco entre suas diversas idas e vindas em subtramas diversas, algo especialmente perigoso quando se trata de tramas com inúmeros personagens interligados. O que nos mantém sempre envolvidos nessa torre de babel é a conexão que acabamos por criar com a maioria desses personagens e, por isso, poucos nos incomodamos com a estruturação em vezes confusa e o formato final um tanto redundante. Mas a última cena do filme em si que está apta a dividir opiniões. Silencioso mas, ainda assim, muito simbólico, o ato final funciona perfeitamente como uma sÃntese dos temas humanos abrangidos na obra, e um desfecho admirável entregue ao seu personagem principal, não mastigando nenhuma emoção.
Até esse desfecho sutil chegar, porém, o clÃmax da obra falha em fechar todas as tramas apresentadas com a devida eficiência. Senti ao fim que, apesar da bela nota final, ainda ficaram alguns espaços vazios e umas pontas soltas. É talvez o pecado maior de Mamet que, ainda assim, realiza uma boa e admirável obra que, mesmo com os deslizes, conquista sua audiência com muita competência graças à s suas virtudes incontestáveis e seus comentários afiados sobre nossa natureza em um evento como o retratado na trama principal. Podemos então, ou identificarmos com a obra e nos apaixonarmos por certos personagens, ou ao menos admirarmos as escolhas interessantes tomadas pelo roteirista na sua composição destes personagens e suas conexões. Me sinto mais à vontade nesse segundo quesito. Porém, ao mesmo tempo em que a audiência possa se sentir apaixonadas pode ocorrer uma resistência compreensÃvel justamente pela perda de valores decorrentes de algumas inconsistências. Mas o resultado como um todo é virtuoso e, por isso, bastante recomendável.
(Wally Soares – confira o blog Cine Vita)