Crítica sobre o filme "Na Mira do Chefe":

Rubens Ewald Filho
Na Mira do Chefe Por Rubens Ewald Filho
| Data: 07/01/2009
Existem filmes de ação e sobre criminosos muito diferentes… alguns apostam mais nas perseguições, outros em planos de roubo ou assalto arriscados, outros ainda em “dissecar†o que se passa na mente de um ou mais vilões. Realmente há de tudo, para distintos gostos. Mas são poucos os filmes sobre criminosos marcados, essencialmente, pela auto-ironia e por um bocado de cinismo. Comentei antes no meu blog sobre o filme Shoot ‘Em Up, que também vejo como um belo exercício de “tirada de sarro†de filmes do gênero. Mas este Na Mira do Chefe é ainda mais satírico, cínico, e o melhor: não apenas com filmes do gênero, mas essencialmente com parte da cultura inglesa. Realmente é um filme engraçado e que tem um ritmo um tanto louco - com altos e baixos nas horas mais inusitadas. Ele não tem muitas cenas de ação - e as que tem, são “à moda antigaâ€, ou seja, perseguições de homem contra homem em ruas com neblina, nada de carros em alta velocidade, lanchas, aviões ou qualquer outro meio de transporte enlouquecido pelos lugares. Na verdade, pensando bem, Na Mira do Chefe consegue ser, ao mesmo tempo, um filme “à moda antiga†e uma produção inovadora. Ele consegue ter essa dupla personalidade sem ser esquizofrênico - apenas engraçado. Mas um humor inglês, deixe-se bem claro! Sutil, cínico, provavelmente não indicado para todos.

Difícil fazer um resumo do filme sem estragar surpresas. Aliás, REALMENTE recomendo que você, caro leitor, pare de ler se ainda não assistiu ao filme, porque daqui por diante vou estragar todas as surpresas - e são elas que dão graça à história. Algo que gostei no roteiro do também diretor Martin McDonagh é como ele vai nos contando mais sobre as duas figuras principais da história pouco a pouco. É como se ele nos desse pequenos biscoitos de cachorros como prêmio por cada minuto que vamos gastando com o filme.

Então, inicialmente, não sabemos que Ray e Ken são dois matadores de aluguel. Nem sabemos porque o chefe deles, chamado Harry Waters (Ralph Fiennes) lhes envou para lá. Tudo indica, inicialmente, que eles foram para lá para, quem sabe, matar alguém por ali… depois, parece que o chefe está querendo escondê-los por um tempo, depois que Ray matou acidentalmente a um menino durante o trabalho de matar um padre. Só depois é que descobrimos que as razões de Harry são muito diferentes.

Achei muito engraçado todo o “desprezo†de Ray para a cidade. É como se ele dissesse, a cada segundo: “E o que me interessa essa cultura, esses séculos de história? São apenas igrejas, apenas construções antigas e sujasâ€â€¦ Na verdade ele fala essas coisas, não assim literalmente. Enquanto isso, Ken tenta aproveitar o tempo por lá. Que remédio? Mas tudo muda, claro, quando Harry finalmente liga e comunica a Ken a razão deles estarem ali: ele quis que Ray, antes de morrer, conhecesse a sua visão de “paraíso†na Terra, ou seja, que conhecesse a Bruges. E o mais cômico é que Ray, se não fosse por ter conhecido a Chloë, teria odiado a experiência. Ironia pura! E das boas.

Achei cômica a fixação de Ray com anões. O cara ficava louco toda vez que pensava em um anão e cada vez que via a Jimmy (Jordan Prentice). Sei que fazer piadas com anões e qualquer outra minoria é politicamente incorreto, mas a sequência em que Ray vai “tirar satisfações†com Jimmy no bar, depois de estar louco por ter cheirado cocaína, é algo absurdamente cômico. Falando em absurdo, o filme tem que ser visto com um bocado de percepção de “realidade fantásticaâ€, porque tem várias cenas que são exatamente isso - e não apenas a sequência final, mas a maioria das cenas com Jimmy e com Harry, para dar exemplos. Guardada todas as devidas proporções, mas o trabalho do diretor Martin McDonagh me lembrou um pouco a Fellini.

Respeitando ao máximo a “lenda†que gira sobre os ingleses - aliás, a história brinca muito com estereótipos -, o filme exagera nos palavrões e nos personagens bebendo cerveja. E a partir do momento em que Harry aparece em cena, ele exibe muitas armas e um bocado de violência. Como Eastern Promises, Na Mira do Chefe também fala de “código de ética†dos bandidos - neste caso, especialmente na sequencia final. Cheio de surpresas pelo caminho, é uma história que sempre vai mudando de rumo e segurando a atenção do espectador.

Só que repito: é um filme com humor muito inglês, ou seja, é um humor um tanto irônico e diferente do que estamos acostumados no dia-a-dia. Nem por isso deixa de ser bacana, pelo contrário. Só talvez não convença ou goste a todos.

Segundo informação do site IMDb, a palavra “fuck†e seus derivados são ditos 126 vezes durante o filme. Levando em conta que a produção tem 107 minutos, isso significa que um palavrão é dito mais de uma vez por minuto.

Esse é o primeiro longa do diretor londrino Martin McDonagh. Antes ele tinha filmado apenas a um curta: Six Shooter, de 2004. Mas claro, esse curta não foi “apenas†mais um, porque ele ganhou o Oscar e outros quatro prêmios. (Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)

.

Leia também a opinião de Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos