Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 24/02/2009
A ideia foi do já então veterano cineasta italiano Carlo Lizzani. Fazer um filme em episódios, como era comum no cinema italiano de então, reunindo alguns diretores que despontavam no cinema da década; Lizzani pretendia estabelecer como fio condutor da produção uma temática do Evangelho e titularia o filme “Evangelho 70â€; depois mudou o tÃtulo para Amor e raiva (Amore e rabia; 1967), para fugir ao preconceito estereotipado de que se trataria de um velho filme de época, ambientado no tempo de Jesus.
O que vemos em Amor e raiva tem muito pouco de parábola bÃblica e talvez o mais aproximado do gesto parabólico seja o episódio de Lizzani, A indiferença. A transparência de filmar do ex-neorrealista Lizzani está ali; seu objetivo é direto, filmar a indiferença do homem diante de seu semelhante numa grande metrópole do século XX (as filmagens se deram basicamente em Nova Iorque). Agonia, de Bernardo Bertolucci, é uma coleção de grunhidos de pessoas-animais num quarto de hospital onde um homem agoniza; exasperantemente experimental e vazio, Agonia é uma má brincadeira do conceituado Bertolucci. A sequência da flor de papel, de Pier Paolo Pasolini, é uma aventura colorida de um “boboca alegre†Ninetto Davolli cruzando álacre pelas ruas apinhadas de carros e gentes. O episódio mais notável foi rodado pelo único não italiano do projeto, o franco-suÃço Jean-Luc Godard, cooptado por Lizzani por tratar-se do mais inventivo diretor de cinema da época; O amor insere o habitual bombardeiro de orações polÃticas de Godard e a maneira admirável como ele inseria no meio delas suas discussões sobre o próprio fazer do cinema. Marco Bellochio, fechando a realização, roda Discutamos, discutamos, de que ele participa como ator e onde ele, à maneira de Godard mas sem a mesma transcendência estética porque lhe falta a descontração cinematográfica, faz o bombardeio das discussões polÃticas de então, num centro universitário italiano.
Amor e raiva está envelhecido, é claro, mas é bom reencontrar o jeito polÃtico de fazer cinema nos anos 60, especialmente no episódio de Godard. (Eron Fagundes)