Vicky Cristina Barcelona (2008) tem a leveza intelectual do cinema habitualmente praticado pelo norte-americano Woody Allen, mas aqui ele se desconcentra um tanto em suas tergiversações sentimentais, bem como os aspectos literários utilizados (o narrador que se deleita com estereótipos psÃquicos, o embalo de diálogos muito medidos, o jogo cênico controlado) fazem com que a dispersão narrativa se torne mais evidente do que em seus outros filmes, carregando na superficialidade. Em Vicky Cristina Barcelona Allen roda um de seus filmes mais rohmerianos, aproximação de influência que ele só atingiu em Hannah e suas irmãs (1986) e Poderosa Afrodite (1995); mas em Vicky Cristina Barcelona o pastiche é ainda mais incômodo porque Allen joga a alma de suas personagens no chão de uma certa banalidade e não tem o engenho do francês Eric Rohmer para fazer transcender certas situações.
Mas Vicky Cristina Barcelona, mesmo com as reservas do parágrafo acima, não deixa de ser um belo filme, agradável de ver e que convida ao pensamento e a uma sofisticação que sempre é capaz de transformar este turismo cinematográfico de Allen executado desde Ponto final (2005), feito na Inglaterra. Vicky tem a atmosfera espanhola, entre Barcelona e Oviedo, mas Allen adapta o fogo espanhol dos cenários e dos atores latinos Javier Barden (visto este ano no extraordinário Onde os fracos não têm vez, 2007, dos irmãos Coen) e Penélope Cruz (observada na temporada no medÃocre Fatal, 2008, de Isabel Coixet) a seu cinema cerebral, de entranhas evidentemente literárias, mas tudo articulado com precisa marcação cinematográfica.
O triângulo amoroso formado pelas criaturas de Javier, Penélope e da loirÃssima Scarlett Johansson (intérprete-fetiche da fase atual de Allen) tem seu lado delicioso, pelos inesperados das caracterÃsticas meio agressivas de Javier (ecos de sua interpretação no aludido filme dos Coen?) e pelo picaresco da inserção do bissexualismo entre as personagens de Scarlett e Penélope. A terceira atriz do elenco, Rebecca Hall, é outra fina composição na partitura interpretativa criada por Allen para seu elenco.
Um bonito hino amoroso, aqui e ali inócuo, mas geralmente cativante, eis o que é Vicky Cristina Barcelona. (Eron Fagundes)
. Woody Allen é um diretor de altos e baixos...depois de grandes obras como Manhatan, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e A Rosa Púrpura do Cairo (dentre outros), entre um perÃodo em que não conseguiu alcançar seus objetivos como antes em Dirigindo no Escuro e Igual à tudo na vida, quando Allen ressurgiu com uma obra estupenda chamada Match Point, os crÃticos se exaltaram: seria a volta do grande diretor? Ou uma ultima luz antes da escuridão total? Se em Sonho de Cassandra houveram os que amaram e odiaram,a resposta vem com Vicky Cristina Barcelona uma comédia deliciosa que tenta explicar os altos e baixos do amor. E a historia é clássica: Vicky (Rebeca Hall, ótima) e Cristina (Scarlett Johansson), melhores amigas, vão à Barcelona passar o verão...por motivos opostos (Vicky vai estudar antes de casar-se e Cristina vai refrescar sua cabeça). Ambas também são opostas entre si: Vicky é contida, intelectual, gosta de coisas seguras...já Cristina não tem planos (fez um curta sobre o amor que foi um fracasso), é totalmente instável, preza sua liberdade e, embora não sabe o que quer da sua vida, ela sabe bem o que não quer da sua vida. Lá hospedados por Judy (PatrÃcia Clarkson) e Mark (Kevin Dunn), ambas conhecem Juan Antonio (Javier Bardem) e se apaixonam por ele. Ele claro acaba se interessando mais por Cristina, não por sua beleza em si, mas pelo seu desprendimento com o mundo. E assim o filme vai traçando um panorama na vida das duas amigas, onde Vicky faz escolhas apenas por segurança (casa-se sem amor por seu noivo ser um homem “corretoâ€) e Cristina se deixa levar pelas ondas do vento. O filme dá uma guinada quando Maria Elena (Penélope Cruz, no papel que lhe rendeu o Oscar®) ex-esposa de Juan, entra em cena, com sua maluquice exagerada e seu poder de determinação, apimentando o romance entre Cristina e Juan, que se torna um romance à três. É bem válido salientar que as partes mais divertidas do longa se devem à personagem de Cruz, que toma conta das cenas, literalmente, quando aparece. O filme, sem pretensão, e narrado como se estivéssemos lendo um livro, nos aponta os devaneios que o amor nos traz...tudo no filme é muito bem composto - da fotografia em tons quentes até a trilha toda feita em violão. Compondo um quebra cabeça criativo e único, Woody Allen nos faz refletir sobre a segurança de um relacionamento, versus a paixão do mesmo, onde podemos ser levados com o vento como Cristina, ou nos acostumarmos à estabilidade como Vicky. Um verdadeiro exercÃcio de sentimentos, que nos faz refletir e repensar nos atos de uma vida amorosa. (Viviana Ferreira)