Crítica sobre o filme "Balzac":

Eron Duarte Fagundes
Balzac Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 03/04/2009
A minissérie Balzac (Balzac; 1999), dirigida por uma mulher, a francesa Josée Dayan, chega agora ao formato dvd, graças aos empenhos da distribuidora brasileira Versátil, sem nunca ter acampado nos cinemas daqui. É uma superprodução histórica bem cuidada, onde as preocupações em se manter fiel àquilo que se divulgou para a posteridade da vida e do pensamento literário do escritor francês Honoré de Balzac, aqui cinebiografado, se evidenciam; além disto, um elenco variado e luxuoso dá o necessário prestígio a este projeto entre intelectual e informativo, literário e jornalístico; uma ficção com fumos de verdade definitiva sobre aquele que talvez tenha sido o maior romancista francês do século XIX.

Para os balzaqueanos apaixonados pode ser que a realização faça maior sentido. É bom descobrir os anos de formação de Balzac, seus conflitos com a mãe, sua incapacidade de segurar as mulheres que usou ou amou, seu adultério com a polonesa (casada com um conde russo) Eva Hanska e depois seu casamento com ela após a morte do nobre soviético e o encanto infantil e premonitório dela pela obra de Balzac, enquanto esnobava o homem (talvez a condessa Hanska, depois senhora Balzac, represente a relação de todos os leitores de Balzac com a ambiguidade homem-artista no autor dA comédia humana). Para o cinéfilo, resta alguma coisa decepcionante em ver Balzac ser retratado de forma um pouco acadêmica: é como se a cinebiografia não fosse escrita pela pena precisa de Balzac, mas sim por uma mistura de penas que incluíssem o folhetinesco (que Balzac também foi, mas não o resumia) Alexandre Dumas e as miopias críticas de Sainte-Beuve.

Os planos iniciais mostram um Balzac menino correndo para sua mãe que o trava impedindo-lhe a aproximação. No plano seguinte vemos o escritor em seu leito de morte. Mas estes pulos no tempo só ocorrem na primeira cena; depois a narrativa segue uma linearidade estereotipada.

O elenco é uma das paixões da minissérie. Gérard Depardieu, que já foi o impulsivo e voluptuoso Danton do polonês Andrzej Wajda, vive um Balzac autossuficiente, grandiloquente e necessariamente tão desleixado quanto genial. Fanny Ardant é a sinuosa e contrapontística condessa Hanska, que se apaixona pelo escritor Balzac e cede ao homem em função desta paixão. Gérard e Fanny viveram um casal de amantes, Bernard Coudray e Mathilde Bouchard, em A mulher do lado (1981), do francês François Truffaut, um balzaqueano aflorado em seus filmes; a experiência e a sensibilidade de Gérard e Fanny conferem algumas sutilezas inesperadas ao romance do escritor francês e da condessa russa. No elenco de apoio, alguns achados, uma face que logo o espectador, por sua característica única, descobre já ter visto em algum lugar, em algum importante filme europeu dos anos 80: é Gottfried John, ator germânico que interpreta o corneado conde Hanska: e a pesquisa revela que de fato, já o vimos antes, com o mesmo ar sarcástico e perverso, em Berlim Alexanderplatz, 1980, o megafilme do alemão Rainer Werner Fassbinder; ali ele era Reinhold Hoffman, um dos muitos amigos-inimigos de Franz Biberkopf, o protagonista de Fassbinder, e ali Reinhold/Gottfried, quando se cansava de suas mulheres, as deixava para Franz, o homem da sobra. E há também a francesa Jeanne Moreau, magnífica como a mãe cruel de Balzac.

Balzac está muito longe de ser uma grande realização. Mas faz bem sua função de informar o público dos dilemas do grande escritor francês. É pena que se detenha tão pouco em pensar esteticamente a obra do ficcionista. Ou queira ver em Balzac mais o filhinho da mamãe que talvez ele tenha sido mesmo. (Eron Fagundes)