Crítica sobre o filme "Último Trem, O":

Wally Soares
Último Trem, O Por Wally Soares
| Data: 24/04/2009
O sinistro é fascinante. Quando a realidade torna-se sem graça, recorremos continuamente à ficção e muitas vezes podemos ser fascinados, entretidos e até aterrorizados por ela. Apesar de O Último Trem não chegar ao ponto de aterrorizar (a não ser que você seja mesmo vulnerável ao gênero), sua história é das mais sinistras e, por isso, tão intrigante. É preciso admitir, claro, que o filme baseado em um conto do “terrorista†Clive Barker (Hellraiser) termina tão surpreendente quanto implausível, num desfecho perturbador pelas implicações mas consequentemente sinistro demais para a mera plausibilidade. E a verdade revelada ao fim pode ser absurda demais para uns, tosca demais para outros ou excitante demais para os seguidores mais hardcore de Barker e até mesmo Stephen King, do qual vejo um pouco na história de Barker, roteirizada por Jeff Buhler (Insanatório) com equívocos, enrolação e clichês do gênero, mas amortecida por uma direção inspiradíssima de Ryûhei Kitamura (Azumi), japonês com filmografia assumidamente “terrorâ€.

O Último Trem segue a jornada curiosa de Leon, um fotógrafo, pelas ruas de Nova Iorque que, ambicioso para retratar fatos e pessoas com maior crueza, torna-se curioso por uma figura emergente da estação de trem que logo o desperta mais que apenas a curiosidade, mas a suspeita. Essa curiosidade o levará para uma reveladora e aterrorizante experiência, que o deixará literalmente marcado. E as telas também ficam muito marcadas. A quantidade de sangue jorrado não deve em nada à O Albergue, mas nunca é apresentada de forma gratuita. Afinal de contas, estamos em um filme de terror gore e o diretor inspiradamente faz o melhor utilizo de sangue. Inclusive, filma as cenas mais brutais, estilizadas e sanguinárias de assassinato que vi em muito tempo. Como uma especial onde, ao prender a câmera na cabeça da vítima, leva a audiência rodopiando com a cabeça quando esta é decapitada.

O filme então ganha com essa virtuosidade técnica, uma direção que anseia sair dos padrões, mesmo quando o roteiro não. E o roteiro oscila continuamente entre o interessante e o desgastante. É fato que certas cenas estão ali para enrolar, não adicionar. O roteiro também peca ao esquivar de tentar nos revelar emoções mais fortes de Leon quando algo trágico acontece a ele. É irreal que ele não questione ou mesmo saiba o que de fato houve com ele em certa passagem do filme. Além disso, a trama “policial†do filme soa deslocada e desnecessária. De início ao fim, porém, o filme é forte nas suas implicações. Vinnie Jones, que faz o “açougueiroâ€, vítima das fotografias de Leon, tem uma forte presença e envia o temor quando o roteiro está ocupado em convenções e em apimentar mais o absurdo e o sangrento. Por isso Kitamura oferece tanto equilíbrio. Ele filma bem, caracteriza bem os momentos e não desgasta seus personagens da forma como acontece na maior parte das vezes. Então se os diálogos soam tolos, ao menos o clima não, e nem os atores, que não prejudicam em nada. Mas também, não possuem muito a oferecer. Bradley Cooper é competente até certo ponto apenas.

Apoiado então nas vertigens do cinema B, tendo na sua história central um segredo dos mais horripilantes e sinistros, o filme assume sua identidade trash e a trabalha de forma uniforme. Bem conceituado, brutalizado e eficiente na proposta. O clímax não poupa ninguém e te manda num espiral de morte, sangue e tensão. Mas é o desfecho que perturba, quando descobrimos o que realmente havia de tão importante por trás dos atos do açougueiro, e é interessante aprendermos as implicações deste segredo e o efeito dele no destino de Leon. Algo que é mastigado para a audiência de forma vergonhosa na cena final, que nos subestima a inteligência. Certas coisas deveriam ser mais sutis. Mas O Último Trem é descaradamente ancorado no absurdo. E na maior parte das vezes, é o que lhe dá sua força. Pena que essa força não o torna mais memorável. (Wally Soares – confira o blog Cine Vita)