Crítica sobre o filme "Matrix: The Ultimate Collection - BLU-RAY EUA":

Jorge Saldanha
Matrix: The Ultimate Collection - BLU-RAY EUA Por Jorge Saldanha
| Data: 03/05/2009

Realidade virtual, pessoas que desconhecem a verdadeira natureza do ambiente em que vivem... o tema não é novo na ficção científica, tendo marcado presença nos anos 1990 em bons filmes do gênero como CIDADE DAS SOMBRAS e O 13º ANDAR. Mas eles foram apenas aperitivos para MATRIX (1999), um filme que não foi concebido como um evento, mas em pleno alvorecer da internet foi saudado como uma revolução não apenas por seus efeitos visuais então inéditos (principalmente o que ficou conhecido como Bullet Time – aquele em que Neo desvia-se lentamente das balas, enquanto a câmera faz um giro de 360º em torno dele), mas principalmente pelas idéias e estética inspiradas pela literatura cyberpunk, mangás e animes japoneses, religião, filosofia e filmes de kung fu de Hong Kong. MATRIX foi o grande filme da vida dos nerds/geeks, e os jovens irmãos Andy e Larry (hoje Lana, após ter mudado de sexo) Wachowski, que até então tinham no currículo apenas um longa modesto (LIGADAS PELO DESEJO, 1996) tiveram o mérito de conseguir colocar essa mistura aparentemente indigesta numa produção de grande orçamento e torná-la um fenômeno mundial, que criou um estilo que passou a ser muito imitada. No filme, elementos aparentemente díspares são unidos para formar um conjunto harmonioso, e nisso se inclui sua ótima trilha sonora que combina a partitura orquestral de Don Davis com faixas rock e techno. E também o elenco que se revela bem afinado, liderado por Keanu Reeves - então já consagrado por longas como VELOCIDADE MÃXIMA (1994) e O ADVOGADO DO DIABO (1997), mas transformado em ícone graças ao personagem Neo. O mesmo pode se dizer de Hugo Weaving, que fez de seu ameaçador e divertido Agente Smith um dos mais memoráveis vilões do cinema. Era de se esperar que um filme que provocou uma devoção quase religiosa de tantos fãs fosse gerar continuações. Isto, porém, demorou um pouco para acontecer, porque o seguimento das aventuras de Neo veio embutido num projeto multimídia de grande escala, que levou quase quatro anos para ser concluído.

Chegamos a 2003, o “Ano Matrixâ€. MATRIX RELOADED, a aguardada primeira continuação, finalmente chegou aos cinemas em maio. A coletânea de animes ANIMATRIX, contendo histórias curtas inéditas (os segmentos “O Vôo Final de Osíris†e “Era Uma Vez Um Garoto†possuem relação direta com RELOADED), foi lançada diretamente em DVD simultaneamente ao game multiplataformas ENTER THE MATRIX. Em novembro RELOADED saiu em DVD, algumas semanas antes do capítulo final, MATRIX REVOLUTIONS, estrear nos cinemas. Houve toda uma estratégia de marketing da Warner em torno da franquia criada pelos Irmãos Wachowski, que se por um lado ajudou a vender os produtos, por outro até certo ponto os prejudicou. No lapso de quatro anos entre o primeiro e o segundo filme, a concorrência inundou as telas com filmes de temática e estilo visual semelhantes (quando não simplesmente copiados) a MATRIX. Isso levou a RELOADED ser anunciado como um filme que superaria o original em todos os aspectos, uma experiência excepcional com efeitos que deixariam o Bullet Time na pré-história, e outras besteiras do tipo. No cinema o que se viu foi diferente – um filme que, mesmo recheado de efeitos e cenas mirabolantes, previsivelmente não possuía a originalidade do original e estava longe de ser a nova experiência revolucionária que o marketing prometera. Não foi de admirar, portanto, que muitos saíssem do cinema bradando sua decepção com o filme, apesar de seqüências eletrizantes como a antológica perseguição na freeway. No entanto, a par destas características mais aparentes, os irmãos Wachowski deram a esta continuação um caráter mais humano e introduziram elementos que questionavam o que havíamos aprendido sobre a verdadeira natureza da Matrix. Descobrimos que definitivamente, naquele universo, as coisas podem não ser o que parecem, o que gerou inúmeras discussões, a maioria centradas no já famoso diálogo de Neo (Keanu Reeves) e o Arquiteto (Helmut Bakaitis), e nas intrigantes cenas finais. Além disso RELOADED leva vantagem pelo menos em um ponto sobre o longa original: traz no elenco Monica Bellucci, deslumbrante como Persephone, a esposa do “gângster virtual†Merovingian (Lambert Wilson). Melhor que qualquer efeito visual, ela merecia ter aparecido mais na trilogia.

Enfim, MATRIX REVOLUTIONS chegou para encerrar (pelo menos até agora) a jornada de Neo e seus aliados contra as máquinas, partindo do final totalmente em aberto de MATRIX RELOADED. E curiosamente, apesar de muitos o reconhecerem como superior ao capítulo anterior, este terceiro filme gerou uma rejeição ainda maior dos fãs. A explicação talvez esteja no fato deles terem levado demasiadamente a sério o que, no final das contas, e como REVOLUTIONS deixou bem claro, era basicamente uma nova variação do clássico confronto entre o Bem e o Mal centrado na trajetória de um Messias, o Escolhido (qualquer semelhança de Neo com Cristo NÃO é mera coincidência). Claro, não ajuda em nada o fato de a primeira hora de projeção de REVOLUTIONS ser maçante. As cenas de Neo preso na Matrix, seus diálogos intermináveis com a família hindu, a aparição da nova Oráculo, tudo parece truncado, com muita conversa que, aparentemente, não leva a nada. No entanto, passada essa fase e a partir da partida de Neo e Trinity rumo à Cidade das Máquinas, e a de Niobe (Jada Pinkett-Smith) e Morpheus de volta a Zion, o filme deslancha e torna-se uma aventura de ficção científica eletrizante, mas sem dúvida a “menos Matrix†da trilogia. Por ser a conclusão a trama teria que avançar, e tudo o que foi feito dentro da Matrix agora deveria, obrigatoriamente, refletir-se no mundo físico, onde os irmãos Wachowski colocaram a maior parte das grandes seqüências: o confronto de Neo com a versão em carne e osso do Agente Smith, Bane (Ian Bliss); o impressionante ataque das Sentinelas a Zion; e a chegada de Neo e Trinity à Cidade das Máquinas. No entanto, como que em um retorno a onde tudo começou, o momento decisivo do filme fica reservado para a Matrix, onde ocorre o confronto final de Neo e o Agente Smith - que parece saído de uma versão live de DRAGONBALL (aliás, só essa sequência isolada já é bem mais fiel ao anime que sua fraca versão cinematográfica de 2009). É para este duelo final e a idílica conclusão que se segue, também passada na Matrix, que convergem todos os caminhos traçados nos dois primeiros filmes. Dificilmente seria possível chegar a um final para a saga que agradasse a todos, mas para mim ele foi adequado. Talvez porque, apesar de achar MATRIX um filme único, nunca o considerei algo mais do que ele realmente é - uma criativa, e muito boa, aventura de ficção científica.