Crítica sobre o filme "Expresso Transiberiano":

Wally Soares
Expresso Transiberiano Por Wally Soares
| Data: 15/05/2009
O cinema vem nos ensinando, ao longo dos anos, que os melhores suspenses são aqueles que oferecem três atos: construção de clima, desenvolvimento da tensão e clímax surpreendente. Com Expresso Transiberiano – lamentavelmente subjugado à lançamento direto nas locadoras no Brasil – o diretor Brad Anderson (do ótimo O Operário), mostra ter aprendido a lição. Seu filme não tem um fim inesperado, mas seus dois primeiros atos são um primor em técnica e virtuosidade cinematográfica. O acerto já começa logo de início, quando reconhecemos a escolha acertada dos roteiristas Anderson e Will Conroy (em sua estréia) em primeiro estabelecer um clima e as caracterizações importantes de seus personagens (que ganham um tratamento proveitoso do elenco). Ainda que o filme demore um pouco para realmente engatar no seu segundo ato, o caminho até ali se mostra necessário pelas claras implicações psicológicas e mesmos dramáticas diante dos acontecimentos que viriam adiante. Tendo isso em vista, é válido ressaltar que é de importância singular se identificar com o primeiro ato do filme – e com os personagens – para se infiltrar totalmente no clima de tensão que toma conta a seguir.

Visto isso, não tem como negar o talento do diretor em manipular emoções e criar uma atmosfera densa de imensa bravura. E o fato de ter como local um trem deixa tudo ainda mais claustrofóbico, servindo com dignidade em prol da eficiência do filme como um suspense psicológico, já que além de ter uma trama climática recheada de angústia, está recheado de emoções gritantes de seus personagens tão humanos. O filme então te envolve com imensa dignidade e te carrega lentamente e tortuosamente (no bom sentido, claro) por uma narrativa bem estruturado e construída em cima de diálogos admiráveis e personagens verossímeis. A própria situação na qual eles se encontram poderia ter tomado rumos implausíveis. Mas ao manter o realismo e nunca subestimar a inteligência do espectador, o filme apenas ganha mais validez.

Existem alguns aspectos discutíveis, tais como o personagem misterioso interpretado com competência por Ben Kingsley (Guru do Amor), que nunca ganha os contornos mais interessantes que esperaríamos. Talvez culpa do último ato do filme que, ainda que guarde seus deleites, soa um pouco anti-climático e corrido. De qualquer forma, o filme termina e te deixa com a válida sensação de que você acabou de testemunhar um digno filme de suspense como pouco se vê. Construído completamente em cima de emoções humanas e nossas reações à elas, o filme não só ganha sua atenção, mas sua imediata admiração. Principalmente quando podemos nos beneficiar por um desempenho tão ressonante como o de Emily Mortimer (Cinturão Vermelho), que carrega grande parte do filme em suas costas, ao se transformar nos olhos e nas emoções da audiência diante da situação na qual ela se encontra ao lado de seu marido, interpretado de forma descompromissada por Woody Harrelson (Onde os Fracos Não Tem Vez). O fato da dupla interpretar um casal comum como qualquer outro apenas adiciona à autenticidade imposta no filme. Virtude esta que, no plano geral, denota um diferencial expressivo ao filme em si.

Então Expresso Transiberiano, que é uma vigorosa descida ao inferno diante de circunstâncias nada agradáveis impostas sobre seus bem construídos personagens, é do tipo de filme americano raro do gênero que não só entretém e envolve, mas almeja fazer isto sem cair em normas comuns e estradas habituais. Apesar de seus defeitos ora frustrantes, o diretor faz um hábil trabalho em condensar o que houve de errado ao submergir a audiência num mundo tão frio quanto a própria Russa, local mais do que apropriado para servir de cena para a densa e nervosa trama que se segue a partir de encontros nada casuais numa viagem de trem pouco convencional. O resultado não poderia ser mais empolgante. O filme é um gracioso (ou seria tenebroso?) acerto. (Wally Soares – confira o blog Cine Vita)